2017-02-07
Texto: Carlos A Henriques
Introdução
Ao falar-se no aumento de qualidade numa imagem, tanto a nível de Cinema como Televisão, torna-se necessário relembrar como eram as imagens no início do seu registo e a respectiva comparação com as captadas actualmente, pois só assim é possível, em especial para as novas gerações, o entendimento do brutal salto que a 2ª década do presente século presenciou no que diz respeito às imagens entretanto produzidas.
De inicio o preto-e-branco deu a vez à cor, e, com esta, o aparecimento dos formatos alargados, ou seja, passou-se do tradicional 4:3 (1.33:1) para o 16:9 (1.77:1), e outros, havendo ainda a acrescentar sucessivas tentativas de introdução do 3D, assim como a Televisão deixou de ser SD (Standard Definition) passando para a HD (High Definition) e mais recentemente a UHD (Ultra-High Definition), com o Cinema a acompanhar este ciclo, tendo resultado o quase abandono, entretanto verificado, do suporte película.
O HDR no Cinema
Na actualidade, sempre que se fala na melhoria da qualidade de imagem há três aspectos a ter em consideração, nomeadamente, o número de imagens por segundo (frame rate) utilizado, a quantidade de pixéis (pontos) que constituem cada imagem, assim como na necessária melhoria qualitativa de cada pixél, que o mesmo é dizer, uma cor mais próxima da visão do olho humano, com uma gama dinâmica mais abrangente, ou seja, uma reprodução da escala de cinzentos muito mais lata do que aquela que os sistemas tradicionais nos têm oferecido, aparecendo aqui a necessidade de esclarecimento do que se entende por HDR (High Dynamic Range) e do processo de a mesma ser alcançada, assim como outros parâmetros a ter em atenção.
Para se obter uma imagem verdadeiramente HDR há que entrar-se em consideração com vários factores, contudo os ingredientes fundamentais passam pelo pico de brancos, contraste local, nível de pretos, bit depth e com o gabarito cromático.
Gama Dinâmica
A chamada Gama Dinâmica (Dynamic Range-DR) de qualquer sistema de captação e/ou reprodução de imagem dá-nos a indicação correcta no que respeita à resposta que o mesmo apresenta quando confrontado com a necessidade de uma resposta aceitável de diferenciação no espaço compreendido entre as nuances de preto e de branco, que o mesmo é dizer, entre o limite inferior e o superior do chamado brilho ou luminância da imagem. Pode, pois, afirmar-se, que a Gama Dinâmica não é mais do que a Relação de Contraste (Contrast Ratio) que uma imagem apresenta.
A Relação de Contraste é representada por um número, o qual é resultante da divisão do brilho correspondente ao nível mais elevado pelo nível mais baixo, resultando no Cinema valores do tipo 2.000:1 (projector Christie) e em Televisão 4.000:1 (Plasma), 1.000.000:1 (OLED) ou superiores.
Relação de Contraste
Com o advento do 4K e 8K no Cinema e a UHD-1 e UHD-2 na Televisão, eis que surge uma nova sigla, a HDR, tendo esta passado a fazer parte integrante das conversas entre profissionais no dia-a-dia da sua actividade, dado ser uma nova característica que traz às imagens captadas a qualidade jamais alcançada, em especial na zona dos brancos, assim como na reprodução da enorme quantidade de pretos contidos nas imagens a captar e a reproduzir.
Apesar do extraordinário aumento na qualidade final da imagem, o conceito HDR ainda está numa fase embrionária, isto segundo o nosso ponto de vista e tomando como referência temporal o primeiro trimestre de 2017, tanto a nível de normalização, por falta de acordo entre as várias entidades envolvidas, como na sua exploração, especialmente nos directos em Televisão.
Há que definir com muita precisão o modo como os metadados vão ser codificados, registados ou transmitidos, assim como o modo da sua descodificação, tanto a nível de sala de Cinema como no televisor doméstico, havendo propostas muito concretas por parte da BBC/NHK, Dolby, Philips e da Technicolor, para além das apresentadas por outras entidades.
Uma das propostas, e com grande potencial dado ser open source, é conhecida pela sigla HDR-10, a qual resulta da combinação das especificações emitidas pela SMPTE (Society of Motion Picture & Television Enginners), e apoiadas pela LG, Panasonic, Samsung, Sony e Hisense embora consideremos que a mesma fica a uma notável distância da sugerida pela Dolby, por esta apelidada de PQ (Perceptual Quantizer), ou, ainda, como Dolby Vision, a mesma que já se encontra em exploração em muitas salas de Cinema de todo o mundo e em alguns televisores como os LG, Philips e Vizio, tendo como inconveniente o facto de ser um sistema proprietário.
Neste domínio há ainda a considerar a proposta da BBC/NHK, a HLD (Hybrid Log-Gamma) a qual se encontra a um nível ligeiramente inferior à proposta da Dolby, contudo pode agregar no mesmo sinal HDR e SDR.
HDR vs SDR
Estamos francamente convencidos que a luta de marcas se vai resolver através da capacitação dos televisores e sistemas de projecção com, pelo menos, dois dos sistemas ainda em disputa pelo primeiro lugar no pódio.
A HDR está presente no ser humano desde sempre dado que a sua percepção visual é portadora desta característica, contudo a aplicação a sistemas captadores e reprodutores de imagens em movimento nunca foi feita pela dificuldade que a mesma acarreta, podendo esta permitir a visualização de uma gama de cinzentos e de cores jamais alcançada.
Na captação de imagens estáticas, ou seja, em Fotografia, esta prática remonta a 1948, sendo a mesma alcançada através de um elaborado processo de pós-produção.
Imagem I
Imagem II
Imagem final (Fotos:Manuel Cunha)
Graças aos desenvolvimentos tecnológicos na área do Cinema e Televisão os mesmos implicaram, face às novas resoluções de imagem, a obtenção de mais, melhores e mais rápidos pixéis, e tal só foi possível através da junção de duas filosofias, ou seja, da HDR com a WCG (Wide Colour Gamut), isto na Televisão, e o HDR e o ACES (Academy Color Encoding System) no Cinema.
Num dia soalheiro é possível observar com grande detalhe o conteúdo da imagem nas chamadas zonas “estoiradas”, assim como discernir informação nas sombras, desde as mais acentuadas às mais ligeiras.
Com a aplicação da HDR às imagens cinematográficas e televisivas um elevado lote de “problemas” surgiu no horizonte, dado que há que juntar às normais dificuldades inerentes ao processo, isto tanto a nível de captação, com destaque para as objectivas e para os transdutores (sensores), como na pós-produção, distribuição e exibição, ressaltando aqui o custo dos equipamentos com capacidade para o efeito.
É óbvio que quando um novo processo dá os primeiros passos há que contar com as naturais contrariedades, nomeadamente o investimento a fazer, os novos procedimentos operacionais, a boa prática dos profissionais envolvidos, e, por último, mas muito importante, a participação no processo da prática criativa, ou seja, dos Guionistas e equipas de Produção/Realização, sem os quais qualquer tentativa de inovação morre à partida.
É que qualquer filme ou programa de Televisão feito com a característica HDR é, de facto, outro filme quando comparado com a tradicional SDR (Standard Dynamic Range), isto desde o movimento de câmara, à grandeza dos planos, passando pelo tempo de leitura da imagem (ritmo), sem esquecer a real necessidade que o guião terá que implicar, caso contrário não se justifica o investimento feito em todos os actos do processo criativo e reprodutor.
Imagem SDR (Cortesia.Sony)
Imagem HDR (Cortesia.Sony)
Workflow
A entrada em exploração desta nova tecnologia implica, à partida, um grande compromisso que é o do mantimento desde a captação das imagens ao seu visionamento, pois basta haver em todo o processo um passo em que a HDR não seja tratada devidamente para que o resultado final não seja o mais conveniente.
O primeiro órgão a entrar em jogo é precisamente a câmara na qual o chamado triângulo de qualidade vê a sua preponderância reforçada, ou seja, a objectiva terá que ser de primeira grandeza, o transdutor luz/corrente eléctrica terá que apresentar na sua saída, pelo menos, dois níveis de sinal extremos por pixél, assim como circuitos electrónicos de processamento com uma latência francamente baixa.
Workflow HDR
A pós-produção é o próximo passo em que o grafismo electrónico, os efeitos especiais e a colorização são deveras relevantes, tendo que haver a preocupação de se obter duas versões do produto final, que o mesmo é dizer, uma em SDR e outra em HDR.
Uma vez obtido o filme ou programa de Televisão terá que se proceder à sua distribuição, havendo nesta fase um acréscimo aos procedimentos tradicionais, dado ter que se contemplar as duas versões.
Finalmente a fase de exibição na qual ter-se-á que disponibilizar o devido equipamento de projecção e/ou reprodução baseada em HDR, caso contrário entra em acção a compatibilidade exigida, sendo esta nos dois sentidos.