2017-02-03
Texto: Carlos A Henriques
A implantação de apenas dois olhos nas caras dos seres humanos não lhes permite uma visão estática horizontal para além dos 100°, e vertical acima dos 90°, razão pela qual até há bem pouco tempo os técnicos envolvidos no desenvolvimento dos dispositivos de captação (câmaras) e os de reprodução (ecrãs), apenas se tenham preocupado com essa realidade. Entretanto, com o desenvolvimento da Realidade Virtual (VR) e como consequência a filosofia 360°, todo este panorama se alterou.
Mas, como é que este novo paradigma foi encarado tanto no Cinema como na Televisão, em especial com a apresentação das câmaras baseadas no princípio Light Field?
A resposta é simples e directa, ou seja, a “culpa” é das abelhas e ao modo como as mesmas observam o mundo à sua volta graças ao sistema visual comum entre os insectos, que o mesmo é dizer, o recurso a um conjunto muito elevado de pequenos olhos, os omatídeos, agrupados na parte lateral da cabeça, atingindo nas abelhas rainha 1950 unidades em cada olho, nas operárias 3.150 e nos zangões a surpreendente quantidade de 6.500.
O omatídeo, de forma hexagonal, apresenta na sua extremidade a córnea a que se segue o cone cristalino, ou seja, a lente responsável pela focagem da luz, e, finalmente, o órgão fotossensível, transdutor da luz em impulsos, o chamado rabdoma. Os omatídeos estão implantados de tal forma que cada um recebe a informação luminosa de um determinado ponto da imagem numa posição ligeiramente diferente da dos seus vizinhos, tal como acontece com as recentes câmaras Light Field.
As abelhas recorrem, ainda, a três olhos simples, denominados ocelos, localizados nos vértices de um triângulo na parte central superior da cabeça, sendo estes os responsáveis pela detecção da intensidade luminosa da cena a captar, funcionando como fotómetros. A visão a curta distância e em ambientes de baixo nível de iluminação, como acontece no interior das colmeias, é, também, garantida por estes olhos simples, respondendo os mesmos ao Azul, Verde e aos raios Ultravioleta (UV), o que lhes confere a visão nocturna e a detecção das armadilhas das suas inimigas, as aranhas, baseadas em UV.
Câmaras 360°
O desenvolvimento de câmaras 360° pretende, de um modo limitado, reproduzir o campo abarcado pela visão das abelhas, excepção feita ao facto de estas conseguirem ver a uma grande distância, permitindo a quem está a visionar as imagens captadas a independência completa no que respeita ao enquadramento feito na origem.
O bloco de captação é constituído por um elevado número de câmaras individuais, captando cada uma um determinado raio de acção, conduzindo a um produto final onde se verifica sobreposição de imagem, sendo esta tratada por software de modo a dar ideia de uma perfeita continuidade no acto de visionamento.
Câmaras Light Field
Há determinados desenvolvimentos tecnológicos que ao serem introduzidos nas indústrias do Audiovisual trazem a estes melhorias acrescidas num ou noutro ponto, sem, contudo, afetarem os procedimentos de trabalhos tradicionais em termos de profundidade, ou o modo como passa a ser olhado o conceito estético de enquadramento, foco ou movimento.
A Lytro, empresa pioneira no desenvolvimento de câmaras fotográficas que recorrem ao princípio do Light Field, ou seja, aquelas em que a globalidade dos pixéis da imagem registada se apresentam com a particularidade de estarem todos focados, deu um novo passo no sentido de a captação passar a ser feita, também, com imagens em movimento, conhecida comercialmente por Lytro Cinema.
A câmara, numa posição estática, capta as imagens desde o plano da objectiva devidamente focadas, através de planos paralelos e sucessivos, até ao infinito. Depois, em Pós-Produção, é possível fazer-se a focagem ou a desfocagem dos vários elementos contidos nos sucessivos planos de imagem, assim como fazer movimentos virtuais de câmara, reenquadramentos e aplicar efeitos especiais do tipo Chroma Key sem necessidade de se recorrer à chamada cor de estampagem, também chamada de cor Chroma, normalmente a verde ou a azul, bastando para tal substituir um dado plano pela imagem de fundo.
Para que se possa ter uma noção mais exacta da qualidade da imagem obtida, vamos apenas referir que a mesma, em formato RAW, apresenta uma resolução de 755Mpixéis, com um frame rate de 300fps e uma gama dinâmica de 16fstops.
Estamos convencidos que a curto prazo, para além de uma profunda redução das dimensões e peso desta câmara, a Lytro Cinema irá entrar, definitivamente na história do Cinema e da Televisão, tal como aconteceu com a introdução do som, da cor, da estereofonia, do surround, do digital e desde já com a UHD (1 e 2).
Pode afirmar-se que quando se verificar o uso generalizado deste tipo de câmaras, o conceito de realização será profundamente alterado, pois grande parte do trabalho do Realizador será desenvolvido na Pós-Produção.
E a culpa de tudo isto é de quem?
Claro, das simpáticas e amigas abelhinhas!!!!