Uma Ficção Que Virou Realidade
2016-01-12
Por: Carlos A Henriques
O Cinema, independentemente do suporte utilizado, é o meio mais eficaz e direto do registo da história e das estórias que em que a humanidade se tem envolvido, ao ponto de ser considerado como a 7ª Arte, designação que aumenta a justeza dessa atribuição, apesar da passagem dos tempos.
Face ao conturbado estado tecnológico a que o actual desenvolvimento nos está a conduzir, pretendemos com o presente trabalho iniciar uma série de artigos nos quais se irá ordenar toda uma elevada quantidade de informação já produzida mas dispersa sobre o tema Cinema Digital e respectivos parceiros de percurso, levando ao leitor atento a este tipo de apontamentos o que de mais relevante, na nossa óptica, se tem verificado neste meio, sendo para nós claro que por muito que se escreva o tema não ficará esgotado, pois esta arte de contar histórias em suporte digital está agora a dar passos gigantes para a estabilização de uma norma mundial, tal como aconteceu durante mais de cem anos quando a película era o único suporte fiável para a indústria cinematográfica.
Apesar da complexidade dos temas que irão ser abordados, é nossa intenção recorrer a uma linguagem o mais acessível que nos for possível, recorrendo, frequentemente a frases ou ideias expressas nas várias intervenções que os lideres de opinião e os fazedores de arte cinematográfica digital têm tido nesta matéria tanto em entrevistas ou artigos de opinião feitos em jornais, revistas e noutros meios, como a Televisão e a Internet, assim como em conferências, seminários e “workshops” em que tenho participado como interveniente directo ou simplesmente como mero espectador.
Tal como a construção de um estádio de futebol requer o contributo de muitas especialidades, como a arquitectura e engenharia passando também pelo craque de desenvolvimento e plantação de relvados, o Cinema, na qualidade de arte centenária, associou à sua longa lista de nomes das mais variadas origens com as competências mais diversas, a qual se torna impossível de enumerar, tanto em termos de qualidade como de quantidade, passando esta por Guionistas, Produtores, Realizadores, Actores, Técnicos, tecnologias e investidores, cuja missão final é a de moldarem num suporte que se espera seja muito mais duradouro que a película, sem o síndroma do vinagre e outros inconvenientes desta, a história ou pensamento de um Autor.
É nossa intenção dar uma ideia prática e profunda do mundo em que se movimenta o Cinema Digital desde a captação das imagens, passando pela pós-produção, masterização, transporte, distribuição, e, finalmente, a projecção em sala de cinema ou visionamento doméstico em sistema “home cinema”, havendo em determinadas situações que se recorrer à inevitável comparação com os procedimentos levados a cabo pelo Cinema tradicional, assim como o tratamento e visionamento do vídeo nas suas diversas resoluções, nomeadamente o SD, HD, 4K e 8K.
Da minha parte não tenho quaisquer dúvidas de que o passo que se tem estado a dar na indústria cinematográfica, desde o início do presente século, não encontrou paralelo com outros desenvolvimentos verificados no meio desde que os irmãos Lumière fizeram a apresentação pública (1895) das primeiras imagens registada em suporte filme até à passagem do mudo ao sonoro (“The Jazz Singer”-1927), à introdução da cor, ao aumento da área do fotograma e em consequência a área de projecção, o Cinema 3-D, o som estereofónico, o 5.1 e o 7.1 e todas as experiências de menor impacto como o Cinema com cheiro ou o “Sensurround”, este último na sua “nova” versão, o 4DX.
As emoções e as máquinas têm nos vários domínios uma relação muito forte, como acontece com a Fórmula 1, o jogo da roleta, o lançamento de foguetões com seres humanos a bordo, etc., contudo no Cinema, por muito que estas sejam evoluídas, rápidas e eficientes, as imagens e os sons captados só se tornam numa obra digna desse nome quando entregues a mãos e mentes criativas.
A tecnologia não faz arte, mas é, isso sim, um meio de a trazer das profundezas de quem a imagina à tona de água para desfrute de cada um.
É no sentimento de uma dada passagem ou experiência de vida que reside o verdadeiro meio de expor perante os seus semelhantes o que nos vai na alma, embora tal seja feito entre montes de ferro, plástico, vidro, celulóide, fitas magnéticas, discos ópticos, motores eléctricos, transdutores e tudo mais que dá suporte físico à tecnologia empregue.
Em todas as eras tem-se dado origem a momentos revolucionários, ou, de dito de outra forma, momentos em que as alterações no meio onde exercemos a nossa actividade são profundas e causadoras de traumas, receios e tudo o que faz com que os competentíssimos profissionais sintam que algo de perigoso, entenda-se, desconhecido, está a chegar, pelo que a melhor defesa também é neste caso o ataque, ou seja, lançam-se sobre a novidade as maiores apreensões sobre o seu futuro próximo, assim como se passa de imediato às comparações, dando-se ênfase aos pontos fortes do estabelecido com os fracos da nova geração.
É, quanto a mim, uma estratégia errada dado que o avanço tecnológico em todas as áreas está ai sem que seja possível parar por parte de pessoas singulares, colectivas, organizações ou mesmo do próprio Estado a sua evolução e invasão de todas as áreas que contribuem para a indústria da arte cinematográfica.
O digital é uma realidade, saudemos a sua aparição!
Até porque no que respeita à parte criativa as alterações introduzidas ou a introduzir são mínimas, pois a leitura das imagens vai manter-se na base da Lei dos Terços, na Regra dos 1800 e respectivos cruzamentos de planos quando a mesma não é respeitada, a Lei dos 300 e os saltinhos da imagem sempre que se muda de plano, os movimentos de câmara (travelling, chariots, grua, etc.), as grandezas de planos (MGP, PP, PM, PA, PG e PMG), assim como os planos picados, contra-picados e normais, para além dos amorcês e até da própria relação de aspecto da imagem (formato), tal como o 1.33:1 (4x3), 1.85:1 (35mm ecrã alargado, próximo ao 1.75:1, ou seja, ao 16:9 da HDTV) ou ainda o 2.2:1 (70mm).
Quando, em 1903, Bitzer usou pela primeira vez o “close-up” no filme “Rip Van Winkle” as vozes surdas da altura fizeram passar a ideia de que a linguagem pura do Cinema estava a sofrer um forte ataque por parte dos que pretendiam fazer laboratório de linguagem, sem respeito pelo que há época era considerado um atropelo à norma instituída do plano fixo sem registo de reacções.
O mesmo Bitzer, que trabalhou cerca de duas décadas com o grande D.W. Griffith, tendo sido também o principal impulsionador e fundador da ASC (American Society of Cinematographers), desenvolveu várias técnicas e movimentos de câmara como, por exemplo, a divisão do ecrã, assim como a melhoria e modo de se fazerem os “fade-in”, os “fade-out” e os “mixings”, para além da construção de objectivas com características especiais para o Cinema, de filtros a usar nas câmaras e nos projectores de iluminação de cena e outros apetrechos de menor impacto.
Fica a dever-se, também, a Bitzer o uso pela primeira vez no Cinema das três fontes de luz, concretamente a “key light” (luz chave, dura e produtora de sombras acentuadas), da “fill light” (luz de enchimento, “soft” e responsável pelo esbatimento das sombras) e finalmente, esta em primeiríssima mão, a “back light” (luz traseira, de recorte ou contra-luz).
Do exposto facilmente se conclui que foi sempre assim, ou seja, as novidades causam comentários e ataques ferozes, mas a evolução, ela mesma, felizmente, não pára, e o que se espera para breve, a nível mundial é uma explosão de belas e atraentes imagens, de preferência a três dimensões (3-D), acompanhadas pelo respectivo som, se possível todos com a característica Dolby 7.1 ou superior.
Os irmãos Lumière, por muito fértil que fosse a imaginação de ambos, estavam muito longe de preverem a possibilidade de estar ao alcance do Homem a produção de imagens e sons com a qualidade que só o Cinema Digital consegue reproduzir.
Naquele tempo o registo analógico de belas imagens móveis ficou a dever-se ao uso de uma película impressionável pela luz construída à base de nitrato de prata e depositada sobre uma base rígida, a qual dava ao suporte a necessária resistência à passagem pelo mecanismo de captação e de projecção.
O acto de rodagem e posterior tratamento laboratorial sujeitavam a película a esforços de elevado valor pelo que eram frequentes os riscos provocados pelo desprendimento natural de partículas ou pela agressividade das peças metálicas à passagem do filme as quais provocavam neste um emaranhado de riscos, devendo-se juntar aos mesmos os provocados pelas sucessivas projecções, resultando uma imagem de baixa qualidade em termos de resolução.
A juntar a isto tudo há que ter em consideração os custos envolvidos com os laboratórios para revelação e distribuição, atingindo nos anos áureos, nos Estados Unidos, um valor superior 800 milhões de Euros por ano.
Foram estas duas razões, a da qualidade e a do custo, que levaram os investidores (estúdios) e os profissionais desta indústria a pensar num sistema alternativo com um pressuposto baseado em apenas duas normas:
Obtenção, na pior das hipóteses, da mesma qualidade do Cinema Analógico (película 35mm) e redução drástica nos custos, tanto na rodagem como na pós-produção, masterização, transporte, distribuição e exibição.
Após alguns anos de discussão e evolução da própria tecnologia e procedimentos de registo, tratamento e flexibilidade na exposição pública, concluiu-se que o único caminho a seguir teria que ser o Digital.
Deste modo, segundo o meu entendimento, considera-se Cinema Digital como o processo empregue desde a captação da representação em “plateau” até ao visionamento em ecrã gigante, não só das imagens mas de todo o tipo de informações que as acompanham, como acontece com o som, legendas, metadados e outros, em que, independentemente do suporte utilizado, a informação é baseada em digitos binários.