2017-04-23
Texto: Tony Costa (AIP)
Por opção estética também recorri à noite americana. O Jorge pretendia que a cena de perseguição na floresta terminasse à beira mar numa praia com o protagonista a acariciar o cão, chefe da matilha. Tenho sempre um problema em fazer e ver cenas de noite em praias onde a fonte de luz vem de um local inventado. A luz motivada só poderá vir do luar. Utilizar projetores dá à imagem um ar artificial e falso.
Propus que se fizesse em noite americana, que foi aceite por todos com alguma relutância é verdade, mas valeu o risco. Eu pretendia que assim fosse porque colaria na perfeição com as cenas filmadas na floresta e todo o ambiente azul, noturno e frio podia ser alcançado mesmo recorrendo à noite americana.
Foi a cena mais difícil de equilibrar no corretor de cor e aqui também a SONY F55 foi positivamente surpreendente com os seus 16 bits de codificação das amostragens e a sensibilidade do Nuno Garcia a manipular as cores.
Fig.16 - Noite americana.
À beira mar, as nuvens foram trabalhadas pelo Pedro Louro nos efeitos especiais como a introdução do cão na imagem. O cão foi filmado em estúdio em Chroma Key e a correção de cor de Nuno Garcia acentuou as nuvens e obteve a silhueta. A imagem foi feita em pleno dia. Ao fundo não é a Lua é o Sol.
Fig.17
Fig.18
Fig.17 e Fig.18 - As imagens originais obtidas em pleno dia antes dos efeitos especiais e da correção de cor para o tornar noite.
A fotografia cinematográfica tem um papel fundamental na narrativa pretendida. Deve auxiliar a narrativa do filme, criando ambientes de forma a ajudar à percepção da audiência.
Na «Ilha dos Cães» destaco dois momentos emocionalmente opostos em que a fotografia e o décor, este trabalhado por Bruno Caldeira (Grão), combinados, ajudam a criar sensações à audiência. Na prisão o ambiente tenso, pesado é criado pela forma como a luz é feita a partir de uma única fonte de luz que existe efetivamente em campo, de uma janela minúscula no topo da cela. Este fator criado no décor em estúdio permitiu construir uma luz que pudesse ir ao encontro da tensão daqueles homens ali encarcerados.
Utilizei uma fonte de luz única vinda da janela e limitei-me a utilizar esferovites para refletir a luz sempre que necessitava desta nos rostos. A luz para um lado da prisão servia de contra, outras vezes de luz principal de forma frontal para o personagem principal Pêra d’Áço (Ângelo Torres), destacando-o do fundo e do ambiente de forma diferente em relação aos seus companheiros de cela.
Por outro lado, também a importância do guarda-roupa, feito por Silvia Grabowski, presente num detalhe fundamental no filme em que a figura paternalista dos companheiros de cela, Garcia, se destaca dos restantes por ter uma vestimenta mais clara que os demais.
Fig.19 – O ambiente na cela carregado e tenso, criado pela direção de luz e pela escuridão do espaço.
Fig.20 - A intensidade do ambiente da cela onde se destaca a figura central do grupo de prisioneiros.
A importância do guarda-roupa desenhado por Silvia Grabowski em contraste com os restantes elementos dá realce e destaque ao personagem principal da cena.
Fig.21
Fig.22- Imagem da prisão, filmado em estúdio.
A imagem RAW (Fig.19) registada com uma resolução 4K e com a codificação das amostragens de 16 bits e após a correção de cor (Fig.20). Aqui nesta cena, supostamente de noite, tem um tom mais frio na narrativa do que noutros momentos na cela. A luz principal, vinda da janela de forma frontal e alta, projeta as sombras para o chão e deixa os fundos negros
Numa outra cena em total contraste com a tensão da prisão é o momento humorístico e romântico do filme, quando Pedro MBala vai ao boteco à procura de Lena (Ciomara Morais).
Ambos viveram uma relação antiga, e, agora, no momento do reencontro é no ponto de vista fotográfico abordado de forma bem mais aberta com high key em vez do low key da cena da cela. A abordagem fotográfica, neste caso, pretende realçar a beleza dos atores através da utilização da luz aplicando a regra dos três pontos.
Fig.23 – A aplicação da regra de iluminação clássica dos três pontos de luz para enaltecer a beleza da atriz Ciomara Morais, que interpreta a personagem Lena, facto que ajuda à percepção do espetador a sentir que a cena reúne um ambiente bem mais leve e relaxante, ajudando a construir um sentimento romântico envolvente entre os dois personagens.
Aqui também a importância do desenho de guarda-roupa onde, mais uma vez, tem papel preponderante a utilização de cores vivas e atraentes.
Fig.24 – Pedro MBala procura Lena e é o reencontro do casal na ilha.
A cena tem uma abordagem de high key para respeitar o sentimento romântico da cena.
Em contraste com esta cena em que a iluminação nos ajuda a sentir mais perto dos personagens, há uma outra que nos afasta. Na cena em que Bordalo (João Cabral), guarda prisional, fala com os prisioneiros, a iluminação tem sombras das grades projetadas na cara para lhe esconder a face e causar na audiência um sentimento de repulsa por ser mau, provocando um sentimento de intriga e frustração no espetador.
Fig.25 – O plano contra-picado dando poder ao guarda prisional Bordalo.
Para além disso as sombras carregadas na face do personagem realçam o seu carácter mau e passa ao espetador uma sensação de desconforto.
A Fortaleza em São Tomé e Príncipe, edifício construído pelos portugueses na época colonial, foi o local escolhido para se filmar a cena final do filme. De todos os décores visitados foi aquele que menos me agradou. Teria dificuldades em dar continuidade à fotografia dada a pobreza de elementos, o fundo seria flat e sem contraste, dado que estaríamos sempre ou contra as paredes brancas da fortaleza ou contra o céu que em África está sempre cinzento.
Por outro lado servia em pleno para a cena final. Mas foi preciso trabalhar a imagem de forma a poder construir tensão e disfarçar parte da pobreza de elementos que o sítio oferecia. Por isso foi pensado à partida com o Pedro Louro, reponsável pelos efeitos visuais, de se acrescentar núvens carregadas no céu aliado à escolha do Jorge em utilizar chuva nos planos.
Dado que tinhamos apenas uma mangueira dos bombeiros locais foi depois preciso em pós-produção acrescentar mais chuva em efeito digital, dando assim maior dramatização à cena.
As núvens foram filmadas com uma câmara Lumix GH4, assim como outras paisagens de vegetação da ilha, as quais foram introduzidas mais tarde em diversos planos, enchendo e enriquecendo o enquadramento.
Fig.26
Fig.27
Efeitos especiais: Na Fig.26 a imagem original, onde se podem ver os cabos elétricos do local e um poste e a imagem final na Fig.27.
A cena é filmada com chuva de uma mangueira dos Bombeiros de São Tomé e em pós-produção foi acrescentada mais chuva artificial, como também foram reforçadas as nuvens para dramatizar a cena final do filme. Efeitos especiais de Pedro Louro e de Filipe Luz.
No vídeo abaixo pode visionar-se o progresso dos efeitos de limpeza dos cabos e do poste nesta cena.
Fig.28 – A imagem original flat com saída em S-log3
Fig.29 - A cena final do filme é dramatizada com chuva e nuvens carregadas no céu e com o aumentado do efeito chuva criado artificialmente.
Fig.30 – Uma imagem dos trabalhos em estúdio gravando os cães em Chroma Key para depois introduzir nas imagens recolhidas em África.
Foi um filme tecnicamente exigente que nos obrigou a sincronizar cada um nas suas especialidades de forma a chegar à imagem final. O desempenho de cada um dos elementos neste filme e noutros é absolutamente fundamental. A sintonia entre realização, produção e meios técnicos são elementares na construção de um filme. «A Ilha dos Cães» é o resultado da dedicação empregue pelos diversos departamentos que em sintonia construíram a imagem e o filme.