2017-04-20
Texto: Tony Costa (AIP)
Inspirado no romance do escritor angolano Henrique Abranches «Os Senhores do Areal» a «Ilha dos Cães» é um filme realizado por Jorge António e produzido por Ana Costa (Cinemate). A rodagem teve lugar em três países: S. Tomé e Príncipe, Angola e Portugal, e chega agora às salas de Cinema depois de um longo período em montagem feita por Filipe Roque do Vale e de efeitos especiais digitais de Pedro Louro.
Depois de me inteirar das intenções do Realizador e das condições de produção, a minha escolha de câmara recaiu na SONY PMW-F55. Era, no meu ponto de vista, a câmara que se encaixava melhor perante as condições que me eram apresentadas.
Tínhamos muitas cenas e muito pouco tempo para filmar em São Tomé e Príncipe, e, por isso, seria necessário termos uma estrutura ligeira com equipamento que pudesse responder com a máxima rapidez possível. A SONY F55 assemelha-se em tamanho a uma câmara de 16mm mas muito melhor, porque permite gravar em formato RAW, a 16 bits e em 4:4:4.
Escolhi usar objetivas Zeiss T2.1 clássicas, ainda tentei outros modelos mas acabei por me decidir por estas, por não serem muita nítidas e ao mesmo tempo oferecerem uma imagem mais suave que as modernas objetivas para o formato digital o que me agrada em particular.
Optei por gravar em S-log3 apesar de não ter visto diferenças com o S-log2 entre um e outro quando testei previamente a câmara, mas li em outros artigos que o S-log3 seria melhor para as zonas escuras e teria maior latitude de exposição, que convinha em algumas circunstâncias neste filme, em particular nas filmagens na floresta durante a noite.
A Câmara é de fácil manuseamento. Rápida a montar, rápida a ligar, baterias com uma capacidade duração bastante razoável, gravação em 4K RAW, rápida na preparação para situações de necessidade de operar com câmara ao ombro, oferecendo um viewfinder com clara nitidez e com as marcas de enquadramento à escolha, waveform e display onde está a informação necessária sem incomodar a visibilidade do Operador de Câmara.
Estas caraterísticas foram muito importantes dado que a equipa era muito pequena. Tinha apenas o Rui Rodrigues como Assistente de Imagem e o Pedro Louro como Segundo Assistente acumulando as funções de data wrangler o que não é de todo aconselhável nem profissional. Tendo em conta todos estes fatores, a escolha da câmara viria a ser fundamental para uma melhor fluidez de trabalho, maior flexibilidade e maior rapidez não pondo em causa a qualidade de imagem e ao mesmo tempo a necessidade de cumprir com o plano de trabalho.
Este era um filme que exigia uma grande capacidade técnica e domínio da imagem. Teria cenas compostas por planos que se distanciavam no tempo como de local e tinham que colar diretamente na montagem, como foi o caso da cena em que Pedro Mbala (Miguel Hurst) acorda do sono no carro e vê um saguim no para-brisas do carro. O saguim foi filmado em Angola, o Miguel em São Tomé e Príncipe e em Angola, com vários meses de distância entre si e montados na mesma cena diretamente. Foi um desafio muito interessante que gostei em particular de levar a cabo e com a correção de cor no DaVinci Resolve com a contribuição e talento do Colorista Nuno Garcia.
Durante a preparação não tive muito tempo com o Realizador Jorge António para trabalharmos um conceito estético. Ele deu-me algumas indicações genéricas e deixou a responsabilidade da imagem inteiramente comigo. O mais importante seria a viabilização do projeto, dado que em principio o filme era suposto ser suportado por uma co-produção entre Portugal e Angola, mas acabou, porém, pelas circunstâncias da crise, por ser feito apenas com o financiamento do ICA.
Depois de uma segunda e atenta leitura do guião, em conjunto com o Jorge António, apercebi-me que o filme não tinha um género bem delineado. Na verdade, era composto por vários géneros. Em conversa menos formal com o Jorge acabamos por concluir que o filme seria… um filme de aventuras. Isto permitia-me ter a liberdade para criar a estética fotográfica com algum à vontade.
O filme percorre três épocas. Uma primeira nos anos 50, uma outra mais tarde finais e inícios dos anos setenta e por fim o tempo atual. Os períodos deviam ser marcados, mas não muito marcados, apenas o suficiente para se distinguir de um para outro. No período que reporta na história aos anos 50, preocupei-me que a imagem fosse, pelo menos, mais quente e com tons mais alaranjados, para dar a sensação da passagem do tempo e de envelhecimento.
Na captura limitei-me a seguir a regra essencial, à qual obedeci do principio ao fim do filme, ou seja, registar uma exposição correta. Orientei-me sempre pelo «waveform» para garantir que a imagem nunca ultrapassaria o ponto zero dos negros e nunca os 100 % do sinal de vídeo, evitando sempre o clipping em qualquer circunstância. Sabia que isso seria essencial no trabalho de pós-produção.
Este filme requeria da minha parte muita atenção para questões técnicas e raccords de luz, nomeadamente pelo facto de algumas cenas serem ocupadas com filmagens feitas em lugares diversificados, fator esse que exigiria alguns cuidados técnicos e entre eles, está claro, a questão da exposição do sinal digital. Neste particular a questão dos negros é fundamental até bem mais que as altas luzes. O negro não pode ser um negro profundo. É muito difícil, senão impossível, uma adequada correção de cor porque o ruído de vídeo será óbvio a qualquer alteração que se faça no brilho ou no contraste da imagem. Por isso para o período dos anos 50, no trabalho de correção de cor feito com o Nuno Garcia tentamos várias possibilidades e algumas delas quisemos ir para além do razoável, mas depressa vimos que o filme não aceitava tal ousadia e extremo, pelo que nos ficamos por um clássico mais quente e alaranjado como o Nuno propôs.
Fig.1
Fig.2-Nicolau Breyner no papel do fazendeiro, cena no filme que marca o período dos anos 50.
Na Fig.1. a imagem original e na Fig.2 a imagem é mais mais quente e alaranjada para dar a sensação de envelhecimento.
Numa outra cena o fazendeiro é acordado pelos sons de moedas e levanta-se da cama com o candeeiro a petróleo. Sendo a candeeiro a única fonte de luz, o Chefe Iluminador Pedro Paiva preparou uma perche (atarraxando vários extensores de Zeferino) e na ponta colocou um projetor Fresnel de 150 W ligado a um dimmer e dentro de uma bola chinesa. A luz do projetor emulava a que vinha do candeeiro. Conforme o ator se afastava, o Pedro acompanhava com a perche colocando a luz à frente do personagem ao longo do corredor e depois também no exterior quando este desce as escadas e se dirige aos estábulos. Para o Pedro Paiva foi um momento de alguma dificuldade dado que o espaço era pequeno, o enquadramento era demasiado aberto o que obrigou a construir uma perche demasiado longa e pesada. Mas, com a sua mestria, conseguiu obter o efeito que se pretendia.
Fig.3
Fig.4
A Fig .3 foi retirada da gravação original e a Fig. 4 após a correção de cor.
Optou-se por deixar apenas passar a luz do candeeiro, na verdade é a luz do Fresnel que está a criar o efeito como se fosse do candeeiro. A perche de luz foi orientada pelo Chefe Iluminador Pedro Paiva.
Procurei sempre, em todos os planos, não ter profundidade de campo. Daí ter filmado praticamente todo o filme com o diafragma todo aberto a T 2.1, o que tornou o trabalho do Focus-Puller Rui Rodrigues um pouco mais difícil, mas cumpriu muito bem, dada à pouca profundidade de foco que teve muitas das vezes e dos poucos ensaios, realce-se.
Eu pretendia que o fundo ficasse sempre desfocado, com aquele efeito pastel, que gosto particularmente, mas só era possível com o diafragma todo aberto. Se atingisse, por exemplo, T 4, perderia todo o efeito e muitas vezes mesmo a T 2.8 acontecia o mesmo. Não gosto de ter profundidade de campo em trabalhos de ficção. No documentário gosto, mas para ficção não suporto e tenho por isso alguma dificuldade em usar grandes angulares - Só se for obrigado esteticamente a utilizar- dada a sua grande profundidade de campo e da distorção curvilínea resultante. Por isso prefiro sempre usar com uma câmara de sensor full frame focais acima de 35mm para rostos e movimentos.
Fig.5 - Exemplo de um plano sem profundidade de campo. O personagem fica destacado do fundo e dá profundidade à imagem.
Na composição de imagem procurei, sempre, obedecer às regras e por vezes alterar consoante a situação da cena. Por exemplo, na prisão coloquei a figura central no centro do enquadramento. Garcia (Daniel Martinho), personificava a figura paternal e respeitada pelos colegas de cela e daí coloca-lo ao centro do enquadramento. Como também com o mesmo personagem, dando-lhe importância e relevo ao enquadra-lo em contrapicado quando este regressa à cela como figura transcendente.
Fig.6 – Enquadrado ao centro. Dando-lhe relevo e importância à sua narração e à história que nos conta.
Fig.7 – Enquadramento respeitando a regra dos terços com a câmara ligeiramente mais baixa que a altura dos olhos, dando-lhe importância e poder no momento de dar a ordem aos seus homens.
Fotografar a floresta de noite é sempre uma tarefa complicada para um fotógrafo. A colocação de projetores dá quase sempre a sensação de ser falso e irrealista. Há, portanto, um desafio para contornar este facto. Usando projetores a imagem fica muito dura e não há justificação a comprovar a sua origem. Por isso delineei outra estratégia de abordagem apesar de ter algum receio, porque a minha estratégia de iluminação poderia falhar se houvesse muito vento.
Inspirei-me num efeito que vi pela primeira vez feito por Robert Richardson, ASC, no filme «Platoon» 1986 de Oliver Stone, e que consiste em colocar fumo no fundo e usar uma luz forte em contra para iluminar o fumo e as árvores, destacam-se, em silhueta, as personagens. Tive sorte e não havia vento, pelo que utilizei uma máquina de fumo e um projetor ARRI M18 em contraluz e adicionei um projetor de 800W lateral para auxiliar o recorte dos personagens. Não tinha mais potência para utilizar, o gerador era limitado, mas felizmente que na floresta africana não havia vento nessa noite e a o fumo mantinha-se ao longo do tempo necessário para cada take.
Fig.8
Fig.9
Fig.8 e Fig.9 - A noite na floresta iluminado com um ARRI- M18 em contra para o fumo e um 800W lateral para recorte.
Ainda, na mesma cena da floresta, a solução para iluminar os rostos dos dois capangas que perseguem o fugitivo, passou por colocar nas lanternas, escondido à câmara, , um pequeno LED alimentado com uma pilha, feito com mestria pelo Pedro Paiva. Esta luz adicional serviu para iluminar os rostos dos dois personagens que perseguem o fugitivo. A luz do rosto foi feita com temperatura de cor mais baixa. O Pedro Paiva cobriu o LED com um filtro CTO. Seria necessário e adequado procurar ter uma temperatura de cor mais quente como se a luz fosse oriunda da lanterna. Por vezes, durante a ação, os Atores viraram o LED para a câmara e apareceu diversas vezes em campo e o Pedro Louro apagou esse problema em After Effects.
Fig.10
Fig.11 Nas duas imagens pode-se constatar a iluminação na floresta feita com fumo e com um projetor ARRI M/18 em contraluz. As lanternas foram equipadas pelo Chefe Eletricista Pedro Paiva, com um LED alimentado com uma pilha e coberto com um filtro CTO para iluminar o rosto.
Fig.12
Fig.13
Fig.14
Fig.15 Imagens da Floresta antes e depois da correção de cor.
Aqui foi fundamental controlar o waveform no momento da captura. Os negros estavam demasiado em baixo e foi aqui que o S-log 3 foi fundamental para a exposição permitindo obter no ficheiro uma maior latitude na cor e obter um melhor sinal nas zonas negras. É neste particular que a SONY F55 é excelente.