No Presente a Vigiar o Futuro
23/02/2024
Texto: Carlos A Henriques
A evolução das câmaras de imagem, nomeadamente as fotográficas, cinematográficas, televisivas e videográficas, tem sido algo deslumbrante, ao ponto de, nos dias que correm, não se saber exactamente onde a mesma vai “desaguar”.
Em 2023 foi instalada, em Tumamoc Hill (Tucson), estado da Califórnia (EUA), uma câmara fotográfica denominada Millennium Camera (Câmara Milenar ou do Milénio), cujo objectivo é fazer o registo das alterações verificadas na paisagem ao longo de mil anos, ou seja, até 3023, estando envolvido neste estudo o filósofo experimental Jonathon Keats, também Investigador Associado da Universidade de Arizona.
A Câmara utilizada é do tipo Pinhola, a mesma que deu os primeiros passos no visionamento e mais tarde no registo de imagens estáticas (fotografias), tal como se apresenta na figura.
Princípio da Câmara Pinhola
A origem da palavra Pinhola vem do inglês Pin Hole, cuja tradução à letra resulta em Buraco de Agulha.
Na câmara original recorria-se a uma caixa de cartão, do tipo usado para transportar/guardar sapatos, na qual se fazia um pequeno orifício, com cerca de 0,5mm de diâmetro, ou menos, sendo dispensado o uso de objectiva.
Com a descoberta da película fotográfica, colocava-se uma folha sensível à luz no lado oposto ao do orifício, mantendo-se este tapado durante toda a operação, decorrendo a mesma em plena obscuridade, mantendo-se, deste modo, a película virgem de qualquer registo, ou seja, a caixa funcionava como uma perfeita câmara escura.
Para captar a imagem pretendida bastava apontar a caixa para o objecto a enquadrar, procedendo-se ao destapamento do orifício durante alguns segundos, minutos ou horas, função da sensibilidade da película utilizada e do efeito pretendido. O processo terminava com o chamado banho na tina de revelação onde se recorria a um líquido apropriado para nos mostrar o registo feito.
Ainda hoje me recordo da cara incrédula dos meus Alunos da Escola Superior de Comunicação Social (ESCS), em Lisboa, quando estes constatavam a veracidade da minha explicação técnica deste “fenómeno” quando a imagem começava a surgir.
Voltando à Câmara Milenar, a luz solar entra pelo citado orifício e ilumina uma superfície sensível à luz no lado oposto a este, tendo esta sido revestida com múltiplas camadas finas de um pigmento de tinta a óleo chamado carmim de rosas.
É nessas múltiplas camadas que se irá registar, camada-a-camada, o passar dos tempos.
Toda a estrutura está montada num poste de aço e apontada para o deserto em direcção a um bairro de Tucson. A ideia é que a exposição controlada à luz desvanecerá lentamente o pigmento em diferentes graus - áreas mais escuras, como as montanhas, desvanecer-se-ão mais lentamente do que áreas mais claras como acontece com o céu. Se tudo correr como planeado, o resultado final será uma fotografia de exposição de um milénio.
Jonathon Keats
Claro que haverá muito movimento na imagem ao longo de 10 séculos, pelo que esta irá causar alguma perplexidade aos humanos do futuro (ou aos senhores extraterrestres). Mas, segundo Jonathon Keats, tal é parte do encanto - os elementos mais estáveis, como a paisagem, irão destacar-se, enquanto os objectos em mudança, como os edifícios, serão parcialmente transparentes, com base no tempo em que lá estiverem. É uma espécie de comentário sobre a impermanência da humanidade, na verdade.
A Câmara Milenar (Foto: Christopher Richards, University Communications)
De acordo com Jonathon Keats:
"A maioria das pessoas tem uma visão bastante desoladora do futuro. É fácil imaginar que pessoas daqui a 1.000 anos possam ver uma versão de Tucson muito pior do que a que vemos hoje, mas o facto de podermos imaginá-la não é uma coisa má. Na verdade, é uma coisa boa, porque se a podemos imaginar, também podemos, desde já, concluir o que mais poderá acontecer, e isso levar-nos-á a agir para moldar o nosso futuro."
Prever as mudanças da Terra ao longo de mil anos é complexo, pois estas dependem de vários factores interligados, a destacar:
Processos Naturais:
1. Tectónica das placas
Os continentes continuarão a sua dança lenta, potencialmente a formar um novo supercontinente dentro de 250-300 milhões de anos;
2. Ciclos climáticos
A Terra evolui, naturalmente, em ciclos que se desenvolvem em torno de períodos glaciais e interglaciais, com a próxima era glacial prevista para daqui a cerca de 50.000 anos;
3. Erupções vulcânicas
Estas podem ter impactos localizados, mas bem significativos, moldando paisagens e exercerem uma influência vital no clima;
4. Impactos de asteróides
Embora estatisticamente raros, um grande impacto pode alterar drasticamente o planeta.
Influência Humana:
1. Mudanças climáticas
Na actualidade a tendência sugere um aquecimento global significativo e respectivas consequências, tal como o aumento do nível das águas do mar e eventos climáticos extremos;
2. Uso de recursos
O consumo de água, combustíveis fósseis e outros recursos pode prejudicar os ecossistemas e as sociedades;
3. Avanços tecnológicos
Inovações em áreas como energia, agricultura e genética podem remodelar, drasticamente, o mundo em que vivemos. A Inteligência Artificial tem uma grande palavra a dizer.
A Inteligência Artificial na preservação da Natureza
Em geral, o futuro do planeta Terra nos próximos mil anos permanece incerto, moldado por uma complexa interacção de forças naturais e acções humanas. O projecto Millennium Camera serve como um registo temporal da mudança constante do nosso planeta e da necessidade de uma administração responsável.
Algumas reflexões adicionais:
Ainda, segundo Keats:
“Mil anos é muito tempo e há tantas razões pelas quais isto pode não funcionar. A câmara fotográfica pode nem sequer estar presente daqui a um milénio. Existem forças da natureza e decisões humanas, sejam administrativas ou criminais, que podem levar à destruição da câmara.”
No entanto, se funcionar, afirma Keats, a imagem final provavelmente mostrará as características mais duradouras – como montanhas e rochas – com maior nitidez, enquanto as partes mais dinâmicas, como a própria cidade, serão mais difusas.
“Imaginemos um caso realmente dramático, em que todas as habitações fossem removidas daqui a 500 anos”, acrescenta Keats. “O que acontecerá então é que as montanhas serão claras, nítidas e opacas, e as habitações serão fantasmagóricas. Todas as mudanças serão sobrepostas sobre uma única imagem que pode ser reconstruída camada por camada em termos de interpretação da imagem final.”
Neste momento o que temos como certeza é que a Millennium Camera está instalada em Tumamoc Hill, junto a um “simpático” banco com vista para oeste, sobre o bairro Star Pass de Tucson. Ao lado, encontra-se uma pequena placa que incentiva os visitantes a imaginarem o que nos reserva o futuro.
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