A Televisão a Cores na Europa
2017-09-06
Texto: Carlos A Henriques
Estamos em meados da década de 50’ do século passado e a Europa não se encontrava, ainda, preparada para enfrentar o sistema de Televisão a cores americano, o NTSC (1954), o qual por apresentar resultados tão desastrosos era apelidado pelos seus detratores, a nível mundial, por “Never Twice the Same Colour”, até que surgem nos meios técnicos académicos europeus dois nomes que ficaram para a História da Televisão, respectivamente Henry de France (França-1956), com o sistema SECAM, e Walter Bruch (Alemanha-1963) com o PAL, tendo Portugal aderido a este último a 7 de Março de 1980.
A constituição básica dos televisores da época era comum independentemente do sistema de Televisão utilizado, havendo para cada um circuitos especiais de descodificação, dado que a diferença básica entre os três sistemas de Televisão a cores residia, de facto, no modo como os sinais eram codificados a nível de estação emissora, o que implicava do lado receptor um procedimento técnico inverso, ou seja, a uma descodificação.
Contudo, dadas as características técnicas das chamadas redes de distribuição eléctrica, houve durante o período analógico uma multiplicação de normas em todo o mundo, em especial devido à respectiva frequência, dado que no continente americano e Japão a mesma é de 60Hz, enquanto na grande maioria das restantes zonas como Europa, África, Ásia e Oceania esta é de 50Hz.
Mas, qual a razão de se ter que optar por uma frequência de varrimento de imagem idêntico ao da energia eléctrica empregue nas câmaras e nos televisores?
Quando as normas de Televisão foram feitas, isto já na fase da chamada Televisão electrónica a Preto-e-Branco (P/B), que ocorreu em 1948, os sinais eram transmitidos para casa dos telespectadores sem sincronismos associados, ou seja, eram apenas enviadas as informações respeitantes à imagem propriamente dita e respectivas extinções, tanto a nível de linha (HH) como de campo (VV).
Varrimento entrelaçado
Dado que à data o varrimento (leitura/exploração) era do tipo entrelaçado, tal implicava a recolha e apresentação numa primeira passagem das linhas constitutivas da imagem de ordem ímpar, o chamado campo ímpar, havendo numa segunda passagem sobre a mesma imagem a recolha/projecção das linhas de ordem par, constituindo estas o campo par.
Verifica-se, assim, que uma imagem era formada por dois campos, o que implicava a existência de 50 ou 60 campos por segundo, função da zona do mundo considerada, que o mesmo é dizer, 25 ou 30 imagens completas por segundo.
E isto porquê?
Havia, à data, dado que hoje com a Televisão Digital já não faz sentido algum, dois problemas, sendo o primeiro respeitante ao aparecimento, por indução, de uma barra preta deslizante no ecrã, cuja velocidade era função da diferença da frequência da imagem reproduzida relativamente à frequência da rede, e a segunda com os necessários sincronismos inexistentes então na imagem, sendo estes reconstituídos no receptor através da cadência de repetição cíclica entre o único elemento comum entre estação emissora e receptor que era a frequência da rede.
Com o aparecimento da Televisão a cores todo este processo se complicou, dado que uma das condições à partida para que qualquer sistema fosse aceite teria que apresentar compatibilidade com o sistema a P/B existente, que o mesmo é dizer, a emissão de um programa a cores, fosse qual fosse o modo de codificação empregue, teria que ser reproduzível num televisor a P/B como se a mesma fosse, de facto, a P/B.
O televisor a cores
Dada a exigência anterior, houve necessidade de se escolher uma portadora de cor, a chamada Fspc (Frequência subportadora de cor), cujo espectro produzido teria que cair, rigorosamente, dentro dos espaços espectrais não ocupados pela emissão dos sinais a P/B, o que implicou um reajuste da frequência de campo, ou seja, a alteração na frequência de imagem, passando esta a ser, no universo NTSC, de 59,94 campos por segundo, o que implicava 29,97 imagens completas também por segundo, reajuste não necessário tanto no sistema PAL como no SECAM, mantendo-se, por tal razão as frequências de 50 campos por segundo e de 25ips, o que implicou uma vantagem suplementar, entre outras, ao pioneiro NTSC.
Face aos problemas apresentados pelos vários sistemas de codificação/descodificação cromática, o que distinguia na sua essência os televisores a cores quando o mundo televisivo optou pela adopção global da característica cromática nas suas emissões?
NTSC
As cores eram codificadas recorrendo-se a dois eixos a 90°, respectivamente, I (In phase) e Q (Quadrature), estando o eixo I desfasado de cerca de 33° do eixo vertical, reforçando-se, desde modo, a acuidade visual cromática, pelo que cada cor era representada por dois vectores, transportando na sua amplitude a saturação e no ângulo de fase a matiz (tom).
O sincronismo de cor era garantido através da inclusão no patamar posterior (back porch) da extinção horizontal, de 10+/-1 ciclos de uma onda sinusoidal, apelidada de Burst, de frequência igual a 3,58MHz.
Televisor NTSC primitivo
A codificação das componentes cromáticas I e Q recorria à chamada modulação de amplitude em quadratura a qual sofria nas suas características de uma pequena contrariedade, a de alteração do ângulo da cor em relação aos eixos respectivos, sendo a mesma fatal para a componente matiz, ou seja, perante qualquer instabilidade no canal de transmissão, digamos, na VTR na reprodução, feixe hertziano, emissor base ou retransmissor, assim como nas próprias condições atmosféricas de transmissão, como trovoadas ou chuva intensa, a cor mudava de tom, o que implicava da parte do telespectador o respectivo ajuste através de um botão apelidado de HUE (matiz em inglês americano), sendo este feito por estimativa em planos onde aparecia a cara de um qualquer interveniente.
SECAM
Perante a má qualidade das imagens reproduzidas pelos televisores NTSC, deu-se início à busca de um sistema que na sua essência desse uma resposta melhorada à pretendida emissão à distância de imagens em movimento a cores, tendo sido Henri de France (1911/1986), um craque francês à data (1956) a dar o pontapé de saída com a proposta de um sistema, o SECAM (SÉquential Couleur À Mémoire, que só em 1967 foi aceite pelos franceses e respectiva comunidade francófona no mundo, a que se associaram, por questões de ordem política, os países da Europa de Leste.
O sistema SECAM recorria, também, a duas componentes cromáticas, aqui denominadas por Dr e Db, respectivamente, Différence rouge e Difference bleu, sendo as mesmas transmitidas com recurso à modulação de frequência (FM), o que evitava, à partida, os problemas inerentes ao antecessor NTSC, daí a graçola da altura que apelidaram o SECAM de “Severe Effort Contra American Method”.
A recepção cromática em FM
Sendo um bom sistema na óptica da transmissão, o mesmo era muito complicado quando se tinha que elaborar o projecto de uma estação de Televisão dado que os sinais que circulavam nos cabos coaxiais na interligação de máquinas, tinham que ser submetidos a constantes modulações/desmodulações como, por exemplo, à entrada e saída das mesas de mistura de vídeo uma vez ser impossível a mistura de duas fontes de imagem a partir de duas informações em FM.
Deste modo, antes de se proceder à mistura propriamente dita, o sinal cromático atacava um desmodulador FM, obtendo-se na sua saída os sinais Dr e Db, a partir dos quais se chegava, finalmente, ao RGB original, indo este modular, em amplitude, uma portadora para assim poder atacar o respectivo misturador de vídeo.
Uf, que trabalheira!!
Esta foi a razão pela qual nos países que recorreram ao SECAM, incluindo a França, os sinais que circulavam nas instalações até serem entregues ao emissor que os iria levar até casa dos telespectadores equipados com televisores SECAM, eram codificados em PAL, evitando-se, deste modo, a complexidade inerente ao sistema.
PAL
Desde o arranque do sistema NTSC nos EUA que havia na Europa um atento e interessado interveniente nestas andanças tecnológicas, o alemão Walter Bruch (1908/1990), tendo-se deslocado de propósito à América para se inteirar a fundo do sistema proposto.
Walter Bruch no laboratório (1965)
A fragilidade do sistema americano era por demais evidente, o que o conduziu à tentativa de desenvolvimento de um outro modo de codificação/descodificação cromática, contudo só em 1959 é que encontrou da parte da Telefunken algum interesse, o que lhe veio a permitir o desenvolvimento do sistema de codificação/descodificação PAL (Phase Alternating Line), o qual alcançou em 1963 um patamar considerado superior para ser implementado, sendo este o ano referido quando se cita, para efeitos históricos, o seu nascimento.
Por incrível que pareça, em termos muito globais, o sistema PAL não é mais do que o NTSC, recorrendo no mesmo a dois eixos de codificação cromática, aqui apelidados por V e U, o primeiro coincidente com o eixo vertical a 90° do segundo, só que empregava um pequeno truque, que o mesmo é dizer, a informação do eixo V invertia, linha-a-linha, o seu ângulo de fase de 90° para 180° e vice-versa.
Com este procedimento, quando no televisor era feita a re-inversão da componente V e se adicionava a mesma com a linha anterior, o erro transmitido na primeira era compensado pelo erro transportado, em sentido contrário, na segunda, bastando para tal a introdução no receptor de uma linha de atraso de precisamente 64µs, dado ser este o tempo de uma linha completa na norma BG e um circuito somador.
Descodificador PAL a válvulas e transístores
Para que todo este sistema funcionasse em perfeitas condições eram estabelecidos os sincronismos entre o codificador (estação de Televisão) e o descodificador (televisor) através de um Burst, constituído por 10+/-1ciclo de uma onda Sub-portadora de Cor, a Fspc, com uma frequência de 4,43MHz, sendo o mesmo enviado a +135° nas linhas N e a -135° nas linhas N+1, com uma amplitude de 300mV.
Este foi, de facto, o sistema mais efectivo na transmissão cromática de imagens de Televisão, contudo, há sempre quem, apesar de tudo, encontre motivos para troçar do mesmo como:
“Pay for the Additional Luxury” ou “Pay for Another License”
havendo da parte alemã a resposta adequada:
“Peace At Last” e ainda “Perfection At Last”
Nota final
Cada sistema analisado teve o seu mérito, contudo com o aparecimento da tecnologia digital o que fica é apenas uma recordação histórica de uma era televisiva muito activa, na qual nos vimos directamente envolvidos, o que nos permitiu evoluir no sentido de podermos agora ter preocupações mais no sentido de como chegar à reprodução perfeita da cor presente na Natureza, tendo os actuais televisores já começado a dar uma resposta muito concreta, tanto a nível de resolução (HD e UHD), de gama dinâmica (HDR) assim como de cor (WCG), sem esquecer, como é óbvio, o som (NGA-Dolby Atmos e outros).