2017-08-08
Texto: Carlos A Henriques
Estávamos em 1964 e o jovem Realizador Manuel Faria de Almeida, regressado à então cidade de Lourenço Marques, actual Maputo, propôs-se fazer um filme sobre a cidade de Catembe, localizada no lado oposto do rio Maputo.
Em Portugal faziam-se as primeiras experiências do chamado Cinema Novo, o qual foi beber à Nouvelle Vague francesa as suas fontes de inspiração, com destaque para “Os Verdes Anos” de Paulo Rocha e “Belarmino” de Fernando Lopes, Manuel Faria de Almeida, com o apoio financeiro do Fundo do Cinema Nacional (FNC) e produção de António da Cunha Telles, este último na qualidade de “pai” desta nova vaga do Cinema português, lançou-se numa aventura de pôr os portugueses a falarem sobre o que era à data uma das colónias portuguesas, ou seja, Moçambique e mostrar as belezas e vida daquele que era território português.
Catembe tinha como objectivo final fazer o relato dos sete dias da semana da vida na capital da colónia, ou seja, Lourenço Marques, através de depoimentos da população local e dos transeuntes da baixa lisboeta, numa espécie de Cinema Directo dentro da onda cinematográfica que então se vivia.
Naquela época, em pleno regime salazarista, qualquer trabalho que pudesse por em cheque o sistema instituído estava condenado à nascença, e isto por duas razões, ou seja, não teria acesso aos apoios financeiros oficiais, a que se seguia a prova do gabinete de censura do Palácio Foz, onde tudo era passado a pente fino, fossem, textos, fotos, programas de Rádio, Televisão ou Cinema.
Com a ajuda do Produtor António da Cunha Telles conseguiu que a ideia apresentada à FNC passasse no primeiro crivo, pois tratava-se, à partida, de um trabalho onde iria ser feita a divulgação das colónias, tão do agrado do regime de então. Contudo, após a rodagem onde se via e ouvia Manuel Faria de Almeida a perguntar a transeuntes no Rossio o que pensavam ou sabiam sobre Lourenço Marques, com respostas à flor da pele muito espontâneas, do tipo: “não faço ideia nenhuma da cidade”, assim como referências do tipo: “Aqui Portugal” quando se referiam à, então, metrópole, levou o Ministério do Ultramar a tomar posição sobre a obra final, que tinha a duração de 87 minutos, impondo o corte na mesma de 19 minutos.
Manuel Faria de Almeida fez uma remontagem do filme, mas, mesmo assim, já sem as imagens originais anteriormente cortadas, a Comissão de Censura, era assim que se chamava, juntou mais uns cortes, passando o filme a ter na sua totalidade apenas 45 minutos de duração, correspondendo ao maior acto de censura jamais feita em qualquer país, ou seja, 103 cortes, o que faz figurar, ainda hoje, Catembe no Livro Guiness de Recordes. Mesmo assim, foi proibida a exibição do filme.
No filme há referências ao Cinema de então, havendo quem afirme que o seu mal vem da “guerra” entre amadores e profissionais instalados, sendo esta mais acentuada entre os próprios profissionais, não havendo, de facto, aquilo que se poderia haver um verdadeiro Cinema em Moçambique e, uma vez mais, em Portugal.
É com agrado que se ouve a voz de Tomaz Vieira um actor residente em Lourenço Marques e que participou no primeiro filme de ficção português “Os Crimes de Diogo Alves” (início das filmagens em 1908 e a estreia em 1911).
Como curiosidade a referência final a alguns elementos que constituíram a equipa, com destaque para os Directores de Fotografia Augusto Cabrita, Manuel Costa e Silva e Elso Roque e, a montagem de Margarethe Mangs, delegado de produção Alfredo Tropa, produção de António da Cunha Telles e de Manuel Faria de Almeida, este último a assinar, também, a realização.
No final do Documentário, alguns planos cortados pela censura e que Manuel Faria de Almeida conseguiu recuperar.
Entrevista Faria de Almeida na RTP 2