2016-02-01
Texto: Carlos A Henriques
O desenvolvimento tecnológico do Cinema esteve, quase sempre, associado aos novos ventos de mudança trazidos pela Televisão, tal como aconteceu, por exemplo, em 1927 com o Cinema Sonoro devido à primeira experiência televisiva a 26 de janeiro de 1926 (John L. Baird), o Cinemascope e o Cinema 3D, em 1953, associado ao arranque da Televisão a Cores no mesmo ano, assim como o Cinema Digital, em 2006, com a generalização das emissões regulares da Televisão Digital em Alta Definição verificada nos EUA em 1996 e na Europa em 2002.
A 30 de setembro de 1952 deu-se na Broadway, em New York (EUA), a estreia mundial de um sistema, o Cinerama, cujo nome resulta da aglutinação da palavra Cinema com panorama, havendo quem advogue que se trata de um anagrama da palavra American, o qual recorria na projeção a um ecrã curvo com um arco que apresentava um ângulo de 1460, o equivalente à visão humana associada à visão periférica, e a três projetores de película de 35mm colocados, cada um, na respectiva cabina, com um frame rate de 26fps e não o tradicional 24fps e um formato (aspect ratio) de 2.65:1, sendo o seu objectivo tornar o visionamento mais imersivo, ou seja, envolver os espectadores nas imagens apresentadas.
O ecrã, devido à curvatura, não era feito de uma única peça esticada mas sim constituído nos terços finais de cada lado por finas tiras verticais com a largura de 2,2cm, devendo-se tal procedimento ao facto de se pretender evitar, assim, reflexões de um dos lados do ecrã sobre o outro.
Fred Waller
O seu desenvolvimento ficou a dever-se a Fred Waller (1886-1954), o qual durante 15 anos procedeu a múltiplas experiências, as necessárias para convencer Lowell Thomas, numa primeira fase com a ajuda de Mike Todd (o inventor do sistema Todd-AO) e mais tarde com o envolvimento de Merian C. Cooper, a produzirem uma apresentação comercial do sistema, tendo resultado o primeiro filme Cinerama com o título “This Is Cinerama”, cuja realização foi da responsabilidade de Merian C. Cooper.
No ato de captação procedia-se de igual modo, ou seja, a três câmaras com objectivas de 27mm, perfeitamente sincronizadas, e com um obturador comum, eram colocadas em posições idênticas às dos projetores, ou seja, com uma separação equivalente a um ângulo de 480 entre si, resultando, por tal facto, o equivalente a três filmes rodados no modo tradicional. Cada câmara captava apenas um terço da imagem global o que implicava uma ligeira perturbação na imagem obtida na zona de separação das partes no processo de projeção.
Este princípio usado inicialmente com o recurso a três câmaras foi mais tarde abandonado, dando lugar a um sistema que recorria a apenas uma câmara e a película de 70mm, tendo-se perdido por tal razão parte do campo de visão de 1460, assim como a resolução passou a ser francamente inferior.
No Cinerama o som não foi esquecido, pois o seu tratamento adequado ajudava imenso à espetacularidade pretendida, facilitando, também, todo o processo de envolvimento da assistência no espaço e tempo a que o filme apresentado fazia referência. Esta foi uma das razões que levaram os seus mentores a recorrerem aos saberes de Hazard E. Reeves, o qual criou o conceito de canais múltiplos de áudio nas salas de Cinema, numa primeira fase 6 e mais tarde 7, indo estes alimentar os altifalantes que eram colocados por detrás do ecrã (5) e os que se encontravam na parte lateral e traseira da plateia, de início apenas 1 e mais tarde 2, o que conferia ao som características surround (envolvência).
Sincronização das 3 películas com o áudio
Na tentativa de captar adesão por parte do público os primeiros filmes eram mais do tipo panorâmico do que cinematográfico, ou seja, documentários de longa duração sobre locais maravilhosos de todo o mundo, com especial ênfase para os EUA, através dos quais se abria o apetite para trabalhos futuros, esses sim, já com cariz virado para o verdadeiro Cinema tradicional, mas agora apresentado através da imagem e do som de um modo espetacular.
A importância do Cinerama para a época de lançamento era tal ao ponto de os visionamentos terem passado a ser eventos sociais aos quais só se podia assistir através da reserva antecipada de lugares, havendo lugar à impressão em papel do respetivo programa, sendo obrigatório o uso de guarda roupa de luxo apropriado para eventos noturnos.
Contudo, apesar do valor acrescentado ao espetáculo, o custo de produção de qualquer filme era relativamente elevado quando se fazia a comparação com o processo tradicional, assim como a reprodução levantava enormes problemas, aparte a necessidade de três máquinas de projeção, pois sempre que a película se partia num dos projetores tornava-se necessária a operação de corte do fotograma estragado e respetiva colagem assim como idêntico procedimento nos respetivos fotogramas dos outros projetores e ainda na fita magnética que suportava a banda sonora, garantindo-se, deste modo, o mantimento global de perfeito sincronismo.
Com o desenvolvimento de outros sistemas widescreen como o Cinemascope, VistaVision, Todd-AO, Technirama, Super Technirama 70, Super Panavision 70, Ultra Panavision 70, Techniscope, Cinemiracle e outros, os quais recorriam a uma única câmara, o que tornava possível o uso de objetivas tipo zoom, assim como a apenas um projetor, o Cinerama, enquanto processo de captação e reprodução de imagens de elevada abertura espacial, começou a ser abandonado em 1961 mantendo-se o recurso à sua prestação até aos dias de hoje apenas em ocasiões especiais comemorativas de eventos cinematográficos, ou outros, mas apenas como pura curiosidade e não mais do que isso, sendo possível o seu visionamento em três locais, ou seja, um no Cinerama Dome em Hollywood, o segundo em Seatle, ambos nos EUA, e um terceiro em Bradford (Inglaterra).
Um outro problema à data do Cinerama residia no fato da impossibilidade da passagem dos filmes nos canais de Televisão, e mais tarde nos vídeos, dado que os filmes eram produzidos para serem visionados em ecrãs curvos, pelo que ao passarem nos ecrãs dos televisores as imagens apresentavam enormes distorções, o que tornava muito limitada a vida de qualquer filme para além do seu percurso normal nas salas de Cinema, o que não acontecia com os sistemas concorrentes.
Na ex-URSS foi desenvolvido entre 1956 e 1957 um sistema idêntico ao Cinerama com a designação Kinopanorama, sendo também denominado por sistema Cinerama Soviético.
Em finais dos anos 60 do século passado o nome Cinerama passou a fazer parte da designação de empresa distribuidora americana de filmes.