2015-09-23
Texto: Carlos A Henriques
Considerada por nós o quarto pilar da Avenida da Liberdade, em Lisboa, no que toca a sala de visionamento de filmes, muitas são as memórias associadas a espetáculos ali assistidos, os quais vão do celebérrimo “Música no Coração”, ao “O Terramoto”, à “Batalha de Midway”, sem esquecer os Festivais RTP da Canção, o primeiro em 1971 (VII), ganho por Tonincha com a canção “Menina do Alto da Serra”, e o segundo em 1995 (XXXI) ganho por Tó Cruz com a canção “Baunilha e Chocolate”.
O Arranque
Sendo a Avenida da Liberdade a mais marcante da cidade de Lisboa face à sua localização, dimensão, em termos de largura, e aos factos históricos a ela associados, nomeadamente às críticas feitas, então, ao Marquês de Pombal pelo exagero da obra, eis que se instalam ao longo do seu percurso ou nas imediações, algumas das mais notáveis salas de Cinema, assim como Teatros, tal como o S. Jorge, o Parque Mayer, o Eden, Condes, Odeon, Coliseu, Politeama e o Tivoli.
Construído com base num projeto do Arquiteto Raul Lino (1879/1974), o Tivoli foi inaugurado em 1924, no dia 30 de novembro (domingo), disponibilizando 2.100 lugares sentados, com o filme “Violetas Imperiais”, do Realizador Henry Roussel e interpretado pela atriz Raquel Meller.
Quanto ao edifício o mesmo foi beber, no seu aspecto exterior, elementos de referência neoclássica, sendo a decoração interior do estilo Luís XIV. Uma beleza para os olhos e para a alma mesmo antes de se iniciarem as projeções dos filmes.
Recorrendo ao livro “Os Mais Antigos Cinemas de Lisboa-1896/1939” de Félix Ribeiro, encontramos:
“Construção de planta composta, quase quadrangular, com 2 pisos, cave, cobertura em cúpula - com tambor rasgado por janelas, cornija e platibanda em balaustrada com jarrões, domo e lanterna circular -, e em telhado escalonado, o Cinema apresenta diversos corpos, articulados horizontalmente, em gaveto. É precisamente neste, que o edifício apresenta um corpo central, cilíndrico, rasgado por 3 portas em arco pleno, com as bandeiras repletas de rendilhado radiante realizado em ferro forjado. As suas fachadas laterais encontram-se divididas por pilastras, com portas de vão rectangular, entabladas com decoração de grinaldas, e coroadas por um óculo encimado por festões, e entre as quais situam-se outras janelas de vão, igualmente rectangular, mas emolduradas a cantaria e com guardas em balaustrada”
A Sala de Teatro
Estando o Cinema, na data de inauguração, ainda na fase do mudo e sendo o Tivoli considerado à época a melhor sala de espetáculos do país, os proprietários de então, ou seja, Frederico Lima Mayer, deram logo desde os primeiros tempos da fundação da sala de Cinema outro tipo de manifestações culturais como, por exemplo, o Teatro, uma arte de representação tão apreciada à época e virada fundamentalmente para as elites de então.
Através de um convite feito ao teatrólogo António Ferro, o mesmo criou um grupo de teatro residente, o “Teatro Novo”, tendo este levado à cena, logo em 1925, várias peças como “O Triunfo da Medicina”, a que se seguiram até aos dias de hoje centenas de outras representações, como a “Comédie Française” e o Teatro do “Vieux Colombier”.
Após múltiplas peripécias de compra e venda, tentativa de demolição e outras barbaridades em agenda, o Tivoli a tudo sobreviveu, tendo passado a Teatro na sua reabertura de 1999, assim como sala de concertos de todo o género de música, desde a clássica à popular.
Entre os vários donos entretanto encontrados, o destaque vai para a empresa Lx Akene (2004), da qual eram sócios Herman José, Nuno Artur Silva, José Cruz e José Silva Pedro, a qual vendeu, em 2012, à promotora de espetáculos UAU, sendo então rebatizado de Teatro Tivoli BBVA.
Um Palco Musical
É-me completamente impossível enumerar todos os espetáculos musicais realizados no palco do Tivoli, daí recorrer à minha memória mais profunda e recordar alguns dos concertos a que assisti no âmbito da Juventude Musical Portuguesa, tendo participado como técnico de instalação do equipamento de captação, mistura e reprodução de um desses concertos em que o músico Jorge Peixinho desenvolveu a sua música tocada de um modo muito original para a época, que o mesmo é dizer, no lugar das teclas do piano este recorria diretamente às cordas do dito, utilizando para o efeito dois martelinhos por si concebidos, assim como das próprias unhas.
Num outro domínio as recordações pairam em Frederico de Freitas, Ivo Cruz, meu colega na RTP, Sequeira Costa, Arthur Rubinstein, Viana da Mota e Maria João Pires, a que se devem juntar Igor Stravinsky e Thomas Beecham.
Dentro da onda musical, mas associada ao bailado, as grandes atuações, entre outras, do Ballet Soviético dos Cossacos da Ucrânia e o American Festival Ballet.
O Cinema Sonoro
O advento do Cinema Sonoro, com o filme americano “The Jazz Singer”, levou as salas de Cinema em todo o mundo a uma adaptação de acordo com os requisitos que esta nova técnica exigia, pelo que o Cinema Tivoli foi o primeiro em Portugal a recorrer ao sistema sonoro, ou fonocinema, como então se dizia, logo em 1930, ou seja, três anos após a estreia mundial do primeiro filme sonoro, sendo o filme escolhido “A Parada do Amor”.
Os Grandes Sucessos
Enquanto sala de Cinema vou enumerar apenas os grandes sucessos por mim visionados, pois a lista é interminável e deveras dolorosa para quem lê esta breve resenha de uma das salas mais características de projeção fílmica.
Comecemos pelo “Duelo Ao Sol”, “A Pousada da Sexta Felicidade”, “Lawrence da Arábia”, “Música no Coração”, “Hello Dolly”, “O Padrinho”, “O Carteiro Toca Sempre Duas Vezes”, “Oficial e Cavalheiro”, “O Terramoto”, “A Batalha de Midway”................
Um destaque especial para o filme “Música no Coração”, o maior sucesso de todos os tempos do Tivoli, e não, só, pois as projeções do filme ultrapassaram um ano de exibições diárias com várias sessões por dia.
Sensurround. Um Novo Sentido Para o Cinema
A ideia de transmitir ao público espetador o máximo de sensações disponibilizadas aos cinco sentidos, levou os estúdios de Hollywood a conceberem um sistema “maquiavélico” e muito perigoso, o “Sensurround”, o qual consistia em transmitir às cadeiras da sala de Cinema vibrações idênticas às sentidos durante um terramoto.
O filme “Earthquake-Terramoto” foi o primeiro a estrear-se em Portugal e no Tivoli, sendo anunciado na Televisão com dois avisos deveras assustadores, que eram:
“Se tem problemas cardíacos este filme não é recomendável”
Concluindo o anúncio:
“Veja o filme mas faça-se acompanhar de outra pessoa”
Quando se chegava à porta do Tivoli para se comprar o bilhete, o público espectador deparava-se com duas ambulâncias em posição de entrada imediata de funções caso houvesse necessidade.
É que o “Sensurround” não era mais do que um processo arcaico, atualmente substituído pelo 4DX, em que através de uma mega coluna de áudio, cujo altifalante de grandes dimensões reproduzia um infrassom, cuja frequência rondava os 3-4Hz, a mesma apresentada por um terramoto verdadeiro, pelo que essas vibrações eram transmitidas à estrutura do edifício o qual vibrava como se de um terramoto se tratasse.
O Tivoli ainda projetou um segundo filme com estas caraterísticas, “A Batalha de Midwai”, cujo argumento visava os ataques japonese durante a II Guerra Mundial a Pearl Harbor e a outros locais no Pacífico feito por kamikazes, sendo o espetador colocado dentro da carlinga do avião como se fosse ele a fazer o ataque e a despenhar-se tal como aconteceu na realidade.
Este sistema foi abandonado após três desmoronamentos nos EUA e à consequente proibição, em termos mundiais, da sua exploração.
Monumento de Interesse Público
Após classificação, em 1997, do edifício e palco de Imóvel de Interesse Público, o Tivoli recebeu em fevereiro de 2015 a classificação de Monumento de Interesse Público, deixando o mesmo de se chamar Cinema Tivoli passando a ser Cineteatro Tivoli.
O “caráter matricial do bem”, o valor estético, técnico e material intrínseco, a concepção arquitectónica e urbanística motivaram a decisão de proteger o edifício.