2015-09-02
Texto: Nunes Forte
Recentemente, a 4 de Agosto, a Antena 1 celebrou 80 anos de Rádio Pública, mas a história da rádio em Portugal começou anos antes.
De início as emissões eram captadas em “rádios de galena” (galena é um mineral composto de sulfeto de chumbo que permite criar um receptor de rádio sem qualquer tipo de energia) e algum tempo depois em receptores de rádio com altifalantes que ficaram conhecidos como telefonias.
Esquema receptor de ráido de galena
As primeiras emissões de radiodifusão sonora captadas em Portugal eram oriundas da Espanha, França, Alemanha e Inglaterra.
O entusiasmo por esta nova forma de comunicação levou a que alguns radioamadores (os “senfilistas”, aqueles que apostavam na comunicação sem fios) começassem a construir os seus próprios emissores de Rádio, ficando conhecidos como “os minhocas”, caricaturados na personagem do “engenhocas” do filme “O Pátio das Cantigas”.
Pequenas emissoras nasceram, então, por todo o país, especialmente em Lisboa e Porto, destacando-se, desde logo, as que apresentaram melhores condições técnicas, como a que foi fundada por Fernando Medeiros em 1926, a CT1BM (Estação Radiotelefónica de Lisboa), que quatro anos mais tarde seria rebaptizada de Rádio Hertz (CS1AA em Onda Média e CS1AB em Onda Curta).
Abílio Nunes dos Santos Júnior
Não há história da Rádio em Portugal que não refira Abílio Nunes dos Santos Júnior que iniciou emissões experimentais a 30 de Setembro de 1924 como “P1AA - Rádio Lisboa”, incluindo na programação música clássica.
As emissões regulares de Abílio Nunes dos Santos iniciaram-se a 1 de Março de 1925 com a nova designação de “P1AA - Rádio Portugal”.
Abílio Nunes dos Santos estava ligado à família dos “Grandes Armazéns do Chiado”, onde funcionaram os primeiros estúdios e que representavam em Portugal as marcas de telefonias Philips e RCA.
A proliferação de emissores e a suspeita governamental de que alguns postos emissores tenham enviado para o estrangeiro notícias sobre a tentativa de golpe militar de 18 de Abril de 1925 levou ao encerramento de todas as emissões a 7 de Maio desse ano por decreto da Administração Geral dos Correios e Telégrafos.
A suspensão foi retirada a 2 de Julho, mas o P1AA só retomou as emissões a 25 de Outubro de 1925, às 20H00, como “CT1AA - Estação Rádio de Lisboa” no chamado estúdio 3 da Rua do Carmo.
Para a inauguração foi convidada a fadista mais prestigiada da época a famosa Ercília Costa, que ficou conhecida por “Santa do Fado” e que foi a primeira fadista internacional. Seria Ercília Costa que ao ouvir cantar uma jovem afirmou:
“Esta miúda canta muito bem e quando eu digo que canta bem é porque canta mesmo”.
A miúda cresceu e fez uma inesquecível carreira com o nome de Amália Rodrigues.
O emissor de Onda Curta da CT1AA destinava-se a emissões para as colónias ultramarinas, América e Europa. O indicativo era, em 1927, “CT1AA – Rádio Colonial”, com a alteração da legislação em 1937 o indicativo oficial passou a ser CS2WA.
Os programas da “Rádio Colonial” eram diferentes dos da “Rádio Portugal” considerando o público a que se destinava, não era uma mera repetição de programas.
O CT1AA com o equipamento que Abílio Nunes dos Santos foi adquirir à América e que seria o mais moderno até então existente, e ao que se dizia, algum ainda nem sequer tinha começado a ser comercializado em larga escala, foi considerada pela sua qualidade e organização a primeira grande estação emissora em Portugal, antecipando nos anos 20 e 30 o que viria a ser a Rádio dos anos 40 do século passado.
Possuía linhas permanentes para emissões e reportagens em várias salas e teatros, nomeadamente no Variedades e Maria Vitória no Parque Mayer, ambos em Lisboa.
Este pioneiro radiofónico era um homem de palavra, por isso cumpriu o que sempre afirmara:
“Quando existir uma estação oficial que tenha os mesmos objectivos que desenvolvo com o meu posto emissor deixarei de emitir”.
Com o início das emissões experimentais em 1934 da “Rádio Oficial” que em 1935 se passou a designar Emissora Nacional (inaugurada com a voz de Fernando Pessa e o hino nacional tocado pelos carrilhões de Mafra), Abílio Nunes dos Santos encerrou como prometera o CT1 AA em Onda Média, continuando até 1938 a emitir em onda curta para os portugueses espalhados pelo mundo, altura em que a Emissora Nacional passou a poder assegurar em pleno esse serviço.
Uma parte do equipamento do CT1AA seria vendido à estação oficial e outra parte ao meu amigo e grande pioneiro da Rádio, capitão Jaime Varela Santos que o utilizou na construção dos estúdios e emissores de Rádio Graça, estação que teve de abandonar logo no início, vendendo-a a Américo dos Santos, quando como oficial foi nomeado para prestar serviço militar em Cavalaria 4, mais tarde Escola Prática de Cavalaria de Santarém, onde viria a fundar uma estação modelo:
“Rádio Ribatejo”
A estação foi inaugurada no dia da cidade, a 15 de Março de 1950, pelas 12H30, com o “Fandango” seguido do anúncio:
“De Santarém transmite a Emissora Rádio Ribatejo, a trabalhar no comprimento de onda 226,9 metros e na frequência de 1,322 quilociclos”
prefixo que perdurou até à nacionalização da Rádio e que eu próprio li inúmeras vezes.
Apesar do que se encontra referido em alguma informação dispersa pela Internet , Abílio, Jaime e Américo, todos de apelido “Santos”, não tinham entre si quaisquer laços de parentesco.
Abílio Nunes dos Santos, que faleceu na capital em Março de 1970, manteve praticamente até ao fim dos seus dias uma grande amizade com o capitão Jaime Varela Santos com quem falava da actividade radiofónica e evolução tecnológica que ambos acompanhavam entusiasticamente.