2015-05-13
Nota Introdutória: Carlos A Henriques
A entrada da Televisão em casa das famílias portuguesas veio alterar, profundamente, as relações e convivências familiares até então existentes. Lembro-me da importância da Rádio, verdadeira companheira de quase todos os momentos, dado que naqueles tempos, anos 50, as emissões eram de apenas algumas horas e não, como agora, sete dias por semana e durante vinte e quatro horas por dia, fazendo parte da programação rubricas musicais, desportivas e noticiários.
Contudo, havia um momento do dia em que a atenção da família se voltava para aquela caixa sonora, na maioria dos casos uma autêntica peça de mobiliário bem trabalhada e noutros, até, luxuosa, hora em que ia para o “ar” uma das famosas Rádio-novelas patrocinadas por um dos detergentes que à época era moda, como aconteceu durante muitos anos com o Tide.
Pela importância do tema, vamos dedicar a nossa atenção à tomada lenta e progressiva, por parte do televisor, do lugar que pertenceu ao rádio, apresentando em oito peças o que poderíamos apelidar de “A Evolução Tecnológica do Televisor ao Longo das Décadas”, oportunidade para recordar o que de mais significativo aconteceu no desenvolvimento deste aparelho que aos poucos vai cedendo a sua importância aos novos parceiros, que o mesmo é dizer, ao computador de mesa, ao portátil, telemóvel, iPad e tudo o que está a evoluir em torno da Internet.
Como pontapé de saída optámos por um texto, apelidado de “A Estranha”, cuja autoria se deve ao sentimento popular disperso pelas redes sociais sobre este tema.
A ESTRANHA
Alguns anos após o meu nascimento, o meu pai conheceu uma Estranha, recém-chegada à nossa pequena cidade.
Desde o início que o meu pai ficou fascinado com esta encantadora personagem e, de seguida convidou-a a viver com a nossa família.
A Estranha aceitou e, desde então, tem estado connosco.
Enquanto eu crescia, nunca perguntei sobre qual o seu lugar na minha família; na minha mente jovem ela já tinha um lugar muito especial.
Os meus pais eram professores... a minha mãe ensinou-me o que era bom e o que era mau e o meu pai ensinou-me a obedecer.
Mas, a Estranha, era a nossa narradora.
Mantinha-nos enfeitiçados durante horas com aventuras, mistérios e comédias.
Tinha sempre respostas para qualquer coisa que quiséssemos saber de política, história ou ciência.
Conhecia tudo do passado, do presente e até podia predizer o futuro!
Levou a minha família ao primeiro jogo de futebol.
Fazia-me rir e fazia-me chorar.
A Estranha nunca parava de falar, mas o meu pai não se importava.
Às vezes, a minha mãe levantava-se cedo e calada, enquanto nós ficávamos a ouvir o que tinha para dizer, mas só ela ia à cozinha para ter paz e tranquilidade.
Agora pergunto se ela terá rezado alguma vez para que a Estranha se fosse embora.
O meu pai conduzia o nosso lar com certas convicções morais, mas a Estranha nunca se sentia obrigada a honrá-las.
As blasfémias, os palavrões, por exemplo, não eram permitidos por nós na nossa casa, pelos nossos amigos ou por qualquer um que nos visitasse.
Entretanto, a nossa visitante de longo prazo usava sem problemas a sua linguagem inapropriada que às vezes queimava os meus ouvidos e que fazia o meu pai retorcer-se e a minha mãe se ruborizar.
O meu pai nunca nos deu permissão para beber álcool. Mas a Estranha animou-nos a tentá-lo e a fazê-lo regularmente.
Fez com que o cigarro parecesse fresco e inofensivo, e que os charutos e os cachimbos fossem especiais.
Falava livremente, talvez demasiado, sobre sexo. Os seus comentários eram às vezes evidentes, outras sugestivos, e, geralmente, vergonhosos.
Agora sei que os meus conceitos sobre relações foram influenciados fortemente durante a minha adolescência pela Estranha.
Repetidas vezes a criticaram, mas ela nunca fez caso dos valores dos meus pais, mesmo assim, permaneceu no nosso lar.
Passaram-se mais de cinquenta anos desde que a Estranha veio para a nossa família.
Desde então mudou muito; já não é tão fascinante como era no princípio.
Não obstante, se hoje pudesse entrar na guarida dos meus pais, ainda a encontraria sentada no seu canto, esperando que alguém quisesse escutar as suas conversas ou dedicar o seu tempo livre a fazer-lhe companhia...
O seu nome? Ah! O seu nome!!!!!
Chamamos-lhe de TELEVISÃO!
É isso mesmo; a intrusa chama-se TELEVISÃO!
Agora tem um marido que se chama Computador, um filho que se chama Telemóvel e um neto com o nome Tablet.
A Estranha agora tem uma família.
Será que a nossa ainda existe?
Fonte: Conto Popular