A Electrónica Como Alternativa
2015-03-10
Texto: Carlos A Henriques
As primeiras experiências de captação e transmissão à distância de imagens foram baseadas, fundamentalmente, em sistemas electromecânicos, os quais a partir de determinadas exigências de qualidade deixaram de dar a necessária resposta. É aqui que os sistemas 100% electrónicos passam a dar largas à sua natural vocação, até porque à sua espera estava um potencial de desenvolvimento jamais imaginado pelos mais optimistas envolvidos, então, nos vários projectos de concepção vária e de origem múltipla.
É assim que o russo Vladimir Zworykin, emigrante nos Estados Unidos da América, pondo em prática um projecto que abandonara em 1923 acabou por inventar o primeiro dispositivo conversor luz/corrente eléctrica de alto rendimento, que o mesmo é dizer, um tubo de captação de imagem, tendo o mesmo recebido o nome de baptismo de “Iconoscópio” e equipado as primitivas câmaras totalmente electrónicas.
Tubo de captação de imagem Iconoscópio
O Iconoscópio
Na qualidade de transdutor o Iconoscópio não era mais do que um TRC (Tubo de Raios Catódicos) de forma esférica, contendo no seu interior um mosaico fotoeléctrico, constituído, na sua essência, à base de partículas metálicas aplicadas a ambos os lados de uma folha de mica, servido esta de material isolante, comportando-se o conjunto como um condensador de enormes proporções cuja maior ou menor carga eléctrica pontual era função da quantidade de luz recebida ponto-a-ponto ao longo da superfície da citada folha de mica.
O TRC
Sendo, à data, o tubo de raios catódicos o órgão central das câmaras de Televisão, esta descoberta veio permitir a construção de câmaras mais compactas do que as equivalentes construídas à base do disco Nipkow, as mecânicas, o que lhes passou a conferir um manuseamento mais fácil. Contudo, a sua grande vantagem ficou a dever-se ao facto de a sensibilidade apresentada na conversão da luz de cena em sinal eléctrico ser deveras muito maior que a apresentada pelas células fotoeléctricas usadas nos sistemas mecânicos, correspondendo o mesmo ao fim anunciado dos vários sistemas de Televisão mecânica desenvolvidos em todo o mundo.
Fotocélulas
Como Funcionava o Iconoscópio?
Sendo o “Iconoscópio” um tubo de raios catódicos especial, o mesmo produzia um feixe electrónico cuja intensidade se mantinha constante ao longo do tempo, o qual em presença de potenciais eléctricos positivos era atraído para a placa de mica revestida por partículas metálicas, fazendo um varrimento (leitura) da esquerda para a direita e de cima para baixo, recolhendo, a alta velocidade, do mosaico fotoeléctrico os vários elementos que constituíam a imagem, ou seja, as cargas eléctricas pontuais acumuladas desde a última visita, constituindo estas a imagem electrónica réplica da imagem baseada em luz.
Celulas fotoeléctricas da Televisão mecânica
Trabalhando de um modo inverso ao verificado nos sistemas mecânicos nos quais se recorria a uma célula fotoeléctrica que era excitada pela luz oriunda de cada um dos pontos da imagem, isto durante um período muito curto, correspondente ao espaço temporal em que o “buraco” do disco se encontrava sobre o mesmo e era atravessado pela luz aí originada.
A Apresentação Pública e Fabricação do Novo Dispositivo Conversor
Estamos em 1929, no meio de um tremendo turbilhão de novas ideias sobre o modo de se converter a luz em sinal de imagem, mais tarde apelidado de sinal de vídeo, com Vladimir Zworykin super atarefado com o seu protótipo de conversão numa fase muito adiantada, tendo o mesmo partilhado, em New York, com um pequeno grupo de engenheiros seus amigos o estado da sua descoberta.
Vladimir Zworykin e os vários tubos que desenvolveu
O interesse por parte da RCA (Radio Corporation of America) foi tal que passou a ser a empresa encarregue da sua fabricação a partir de 1933, isto numa fase muito mais avançada do dispositivo em causa.
Como curiosidade, a imagem era constituída, apenas, por 120 linhas, as quais eram lidas a um ritmo de 24 por segundo, ou seja, o mesmo número de imagens usado no Cinema.
1º Cinescópio (Kinescope) - Zworykin - 1929
Com a entrada da RCA no projecto o desenvolvimento deu-se a um ritmo vertiginoso, obtendo-se logo em 1934 uma resolução vertical de imagem de 343 linhas, fazendo-se, então, já uso do princípio do varrimento alternado das linhas de ordem ímpar com o das linhas de ordem par, o qual veio a ter mais tarde a designação de varrimento entrelaçado.
Em paralelo ao desenvolvimento do Iconoscópio, Vladimir Zworykin desenvolveu, também, o transdutor corrente eléctrica/luz, ou seja, o tubo cinescópio apelidado, então, por Kinescope, o qual equipava os televisores na qualidade de ecrã.
Cinescópio (Kinescope) de Zworykin (1929) aplicado a um televisor
A EMI Entra na “Corrida”
No Reino Unido, graças à acção de outro emigrante russo e amigo de infância de Vladimir Zworykin, ou seja, Isaac Shoenberg, o qual trabalhava para a empresa EMI (Electric and Musical Industries), procedia-se ao desenvolvimento de um tubo transdutor muito semelhante ao Iconoscópio. O tubo ao atingir o estado de maturação suficiente para utilização industrial passou a designar-se por Emitron, apresentando sobre o seu “rival” algumas vantagens como, por exemplo, o número de linhas utilizado foi o de 405, norma que se manteve até meados dos anos 80’ pela BBC. Quanto ao modo de varrimento das imagens a EMI optou pelo entrelaçado, uma vez este exigir metade da largura de banda na sua transmissão através do éter relativamente ao sistema progressivo.
Estúdio BBC com câmaras EMITRON
A Persistência da Televisão Mecânica
Por estranho que possa parecer o sistema de análise mecânica, baseado no disco Nipkow, continuou a ter por parte de alguns cientistas o seu desenvolvimento, apesar dos avanços alcançados por Vladimir Zworykin com o seu tubo de captação de imagem o Iconoscópio.
Em 1929, John Logie Baird convenceu a Administração da BBC da possibilidade da feitura de transmissões de Televisão recorrendo-se ao uso dos emissores de Rádio durante as horas em que não havia programação no “ar”. O próprio Baird fabricou e comercializou, através da sua empresa entretanto constituída, a “Cinema & Television Development”, televisores que recebiam as imagens produzidas pelo seu sistema, sendo estas constituídas por apenas 30 linhas.
Ao longo dos tempos John L. Baird foi introduzindo melhorias no seu sistema, nomeadamente na tentativa de aumentar a resolução vertical, tendo atingido, sucessivamente, 60, 90, 120, 180 e 240 linhas, atingindo com este último valor o limite físico do número de linhas, dado não ser mais possível aumentar a velocidade do disco, assim como se tornava insuportável o barulho, tanto na captação como na reprodução, introduzido pela rotação deste.
René Barthélémy (1889-1954)
Entretanto, em França, René Barthélémy pôs em prática, em 1931, um sistema de emissão/recepção por si desenvolvido, sendo este também baseado num disco, contudo com uma variante particular, pois o mesmo em vez de recorrer às perfurações do disco Nipkow, o mesmo era constituído por um tambor espelhado. Uma variante deste sistema já tinha sido tentado na Alemanha graças à acção do cientista August Karolus, em 1928, sendo o número de linhas por imagem de apenas 30.
Prof. August Karolus (1893-1972)
Os espelhos serviam par iluminar os objectos com a luz produzida numa fonte clara, estando estes dispostos de um modo que lhes dava uma determinada inclinação, sendo esta de um modo crescente relativamente ao eixo do tambor, sendo a imagem varrida numa série de linhas paralelas. Células fotoeléctricas constituídas à base de potássio faziam a colecta da luz reflectida pelos objectos que se pretendia captar.
Mirror Wheel
Este sistema de espelhos também foi tentado por John L. Baird, contudo, as dimensões muito grandes do tambor, pelo que o mesmo não podia atingir grandes velocidades de rotação, que o mesmo é dizer, era muito limitado em termos de resolução vertical.
Contudo, e perante a teimosia de John L. Baird em não aceitar a chamada Televisão 100% electrónica, este princípio foi por si abandonado, tendo o mesmo voltado ao desenvolvimento, entretanto interrompido, de sistemas baseados no princípio do disco Nipkow.
A curto prazo, que o mesmo é dizer, em 1937, os sistemas mecânicos de captação/reprodução foram definitivamente abandonados, para profundo desgosto daquele que dedicou parte da sua vida a uma causa perdida.
A Televisão electrónica venceu, sendo na Europa a EMI uma das empresas protagonistas de tal feito.