2015-02-10
Texto: Carlos A Henriques
Desde os tempos em que se iniciaram as primeiras experiências da Televisão um dos aspectos que tiveram que ser tomados em consideração foi a necessidade da transferência Filme/Vídeo, dado não haver outro suporte quando se pretendia fazer uma transmissão em diferido de um dado evento ou de um filme do circuito comercial do Cinema.
Ciente desta necessidade, um dos “pais” da Televisão, John Loggie Baird, fundou em 1927 uma empresa, a “Baird Television Company” mais tarde rebaptizada de “Cinema-Television Limited” a partir da qual nasceu a CINTEL (CINema and TELevision-1958), cujo objecto de exploração, tal como o nome indica, seria o do “casamento” entre a indústria cinematográfica, em franca expansão, e a televisiva a dar os primeiros passos.
Em 1939 entre várias actividades a que a Cinema-Television Ltd., o destaque vai para a instalação de ecrãs/receptores de Televisão de grandes dimensões em salas de Cinema na área de Londres.
A IIª Guerra Mundial beneficiou da actividade entretanto desenvolvida pela empresa, nomeadamente com o fornecimento de células fotoeléctricas e tubos de raios catódicos (TRC/CRT), os quais equiparam grande parte dos sistemas de radar então usados.
Em 1958 a Cinema-Television Ltd. foi comprada pela organização de J. Arthur Rank, passando a designar-se por Rank Cintel, tendo-se mudado, então, das velhas instalações de Sydenham, South East London, para uma moderna fábrica partilhada com outras empresas do Grupo Rank em Bessemer Road, Welwyn Garden City, Hertfordshire. Entretanto com a entrada em actividade da nova divisão do Grupo, a Rank Xerox, especializada no campo das fotocópias, a Rank Cintel mudou-se para os subúrbios de Ware, uma cidade dentro do mesmo condado.
Até finais dos anos 60’ a Rank Cintel, para além do fabrico e comercialização de telecinemas, dedicou-se também ao desenvolvimento e fabrico de projectores de vídeo baseados em três tubos, do tipo RGB, os quais eram usados, fundamentalmente, em simuladores de voo e apresentações de índole comercial e militar.
Um outro domínio onde se envolveu, apesar de voltado ao insucesso, foi o do desenvolvimento e fabrico de gravadores/reprodutores de vídeo de 2”, do tipo Quadruplex, ou seja, quatro cabeças de gravação/reprodução montadas em quadratura (900) em torno de um tambor rotativo. Contudo, questões relacionadas com patentes registadas na América, tanto com a Ampex como com a RCA, acabaram por matar à nascença as intenções da marca em enveredar pelo campo do registo de vídeo.
O arranque da Televisão a cores na maioria dos países Europeus, precisamente em 1967, sendo a BBC 2 e a ITV pioneiras, levou a Rank Cintel a enveredar pelo fabrico de telecinemas com estas características, assim como a darem resposta ao sistema de 625 linhas, alternativa à norma então existente em Inglaterra das 405 linhas, tal como aconteceu com o flying spot a cores MK1.
Em 1975 foi a vez de ser lançado o flying spot MK 2, sendo este muito mais evoluído, em todos os aspectos, relativamente ao MK 1, nomeadamente no que respeita ao recurso a componentes electrónicos do estado sólido, ou seja, aos transístores, como alternativa às válvulas do modelo anterior.
No início dos anos 70’, em parceria com a americana IVC (International Video Corporation) e com a francesa Thomson-CSF, envolveu-se no desenvolvimento e marketing de um gravador helicoidal de 2”, o IVC 9000. Este modelo de gravador não teve grande sucesso na Europa face ao aparecimento do formato B (Bosch Fernseh-Alemão) e C (Ampex/RCA-Americano) ambos de 1”.
A introdução no mercado de sistemas de correcção de cor fica a dever-se à acção da Rank Cintel, a qual pegou num projecto nascido em Wood Norten (Evesham-Inglaterra), ou seja, no Engineering Traning Centre da BBC, o TARIF (Technical Apparatus for the Rectification of Indifferent Films), o qual permitia o controlo manual das componentes RGB, tanto a nível de saturação como do matiz das cores envolvidas.
Durante o meu Curso de Pós-Graduação feito no Centro de Formação da BBC em 1978, tive a oportunidade de estudar e operar o sistema TARIF ainda na sua fase de desenvolvimento.
Como curiosidade, os telecinemas a preto e branco adquiridos em 1947 pela BBC à, então, Cinema-Television Ltd., denotando uma qualidade suprema da marca neste tipo de equipamentos, foram convertidos em 1966 para trabalharem a cores, ou seja, com o sistema PAL (I), o adoptado no Reino Unido, mantendo-se em serviço até 1990.
Por incrível que pareça a CINTEL ainda existe, apesar de já terem passado 88 anos desde a sua criação, não como empresa independente mas como uma área de negócio de uma outra empresa em franca expansão, a australiana BlackMagic, mantendo-se, contudo, o objectivo do fornecimento de equipamentos em que a qualidade e a durabilidade são questões de honra.
Telecinema. O Conceito
Até ao aparecimento dos dispositivos conversores da luz em corrente eléctrica (transdutores/sensores) do chamado “estado sólido” os telecinemas apresentaram-se no mercado dentro de duas linhas tecnológicas possíveis, ou seja, com o recurso a um projector de Cinema tradicional e a uma câmara vídeo que captava directamente do projector, ou, em alternativa de um pequeno ecrã de características especiais, sendo a segunda linha explorada muito mais tarde com recurso ao varrimento de um tubo de raios catódicos (TRC/CRT) por um ponto luminoso, conhecido em gíria por flying spot.
Algumas Datas Marcantes
Torna-se difícil a apresentação da totalidade das inovações que a Cintel ao longo da sua existência desenvolveu para o mercado profissional, daí a razão por nos limitar-mos à apresentação sumária das mais marcantes, tais como:
1927 - Fundação da empresa BTCD (Baird Television Company Development) por John Logie Baird, mais tarde rebaptizada por Cinema-Television Ltd., a partir da qual deu origem ao nome Cintel ;
1950 - Instalação em Lime Grove Studios (BBC) do primeiro Telecinema do tipo Flying Spot;
1977 - Entrada em funcionamento do 1º Flying Spot da Rank Cintel no Canadá, concretamente através da MPV (Motion Picture Video Corporation - Toronto);
1987 - Telecinema MK IIIB o qual recorria a um TRC/CRT de varrimento progressivo e o sistema Digiscan para aplicações em SDTV (Standard Definition TeleVision);
1989 - Telecinema Ursa 4:2:2 com espaço colorimétrico do gravador digital D1 (Sony);
1993 - Primeira apresentação pública (NAB) do Telecinema de alta definição Cintel MK III e do Ursa Gold, este último com saída 4:4:4;
1997 - Introdução do telecinema Ursa Diamond;
2003 - Lançamento do redutor interno de grão do filme GRACE, o qual era uma opção para as máquinas Millenium II, respectivamente C-Reality e DSX;
2004 - Scanner de data a alta velocidade Mill, baseado na tecnologia Millenium II, e o sistema GRACE como unidade externa redutora de ruído do filme, Millenium HD;
2005 - Scanner de data 2K para aplicações low end com sensor nativo 3K;
2014 - Compra da Cintel pela BlackMagic Design e a consequente remodelação completa do conceito de scanning de imagens em suporte filme.
O Scanner de Filme BlackMagic Cintel
Após a aquisição pela BlackMagic, houve um esforço enorme no sentido de ser colocado no mercado um equipamento que estivesse à altura da qualidade que a BlackMagic nos tem estado a habituar e por outro lado mantendo a tradição da já quase centenária experiência da CINTEL, única, com tantos anos a servir o mercado broadcast de Televisão, assim como o Cinema e o do Vídeo em geral.
O resultado está à vista, pois basta olhar para o novo design, ao sabor dos gostos e necessidades actuais, do telecinema BlackMagic Cintel, o qual, dada a sua espessura, pode ser pendurado numa parede como se tratasse de uma obra de arte saída das mãos de um Rembrant ou Van Gogh.
Na sua concepção entrou em jogo um sistema de servomecanismos totalmente remodelado face às soluções até então apresentadas, o que permite fazer em tempo real o scanning de filme de 16 e 35mm, até 30fps, com uma resolução UHD (Ultra High Definition), ou seja, 4K, o qual, graças à grande estabilidade e reduzido grão nas imagens reproduzidas torna-o numa peça indispensável quando se pretende fazer restauração ou mastering digital.
Portador das mais avançadas técnicas de processamento de imagem desenvolvidas pela BlackMagic Design e recorrendo a uma conexão Thunderbolt 2, o equipamento pode ser ligado directamente ao Mac pessoal, encaminhando as imagens reproduzidas directamente para o sistema de correcção de cor a uma velocidade de 20Gb/s, sem que haja qualquer limitação na qualidade da imagem, podendo os ficheiros importados ser abertos com o DaVince Resolve não só para tratamento cromático, mas, também, para trabalhos de restauração e mastering.