A Tobis prepara o futuro
Estamos em 1933, ano em que os feitos no Cinema português perduram até aos dias de hoje, havendo da parte da Tobis uma grande azáfama no sentido de dispor de uma estrutura em território nacional que lhe permitisse desenvolver a sua actividade com meios técnicos e humanos sem dependências externas.
Um dos primeiros passos, a anteceder, mesmo, a inauguração dos estúdios, foi a aquisição de dois “camiões sonoros”, tal como anunciava à data o Diário de Notícias:
“Lisboa adquiriu desde hoje uma nota de civilização e de progresso. Antes mesmo de Madrid e de outras capitais da Europa, a nossa capital possui já os mais modernos aparelhos de tomada de vistas e de sons, apetrechados sobre dois camiões que permitem o trabalho tanto num estúdio como ao ar livre. Chegaram ontem à noite a Lisboa e destinam-se à companhia portuguesa Tobis Klangfilm, que os adquiriu em Berlin.
Trata-se de aparelhos dum valor superior a mil contos, que se consideram a última palavra mecânica fonocinematográfica. Acompanham os camiões dois engenheiros chefes, os srs. Tjaden e Liedthe, além de dois mecânicos. O protocolo da entrega far-se-á com toda a solenidade dentro de uma semana, para o que vêm expressamente a Lisboa os chefes das casas Tobis de Paris e de Berlin.
A Companhia Tobis Portuguesa, que há alguns meses está a desenvolver uma grande actividade, tem quase concluído o seu estúdio do Lumiar, que ficará sendo um dos melhores da Europa.
Tudo indica, portanto, que dentro de pouco tempo vamos ter filmes falados em português e, sobretudo, actualidades sonoras portuguesas.
Neste momento, em que está vencida a etapa mais importante, cumpre-nos prestar justiça às pessoas que abertamente se lançaram neste notável e patriótico empreendimento, que representa incontestavelmente um índice de civilização e um novo campo aberto à actividade nacional”
O sucesso do primeiro filme sonoro A Severa, a que se seguiu o chamado primeiro filme feito por portugueses em Portugal, “A Canção de Lisboa”, catapultou a produção nacional para a realização de mais um filme sonoro português, “Gado Bravo”, cuja realização foi entregue ao jovem critico de Cinema António Lopes Ribeiro, em 1934.
Entre os elementos que constituíram a equipa, sentiu-se uma grande presença alemã como a de Max Nosseck (Supervisão Geral),Erich Phillipi (Argumentista), Siegfried Arno (Actor), Heinrich Gartner (Director de Fotografia) e a actriz aústriaca Olly Gebauer.
De acordo com Alves Costa, na sua “Breve História do Cinema Português, ICALP, 1977” este filme:
“Alterna coisa boa com muita coisa má, numa historieta inventada por um estrangeiro que arranca com algumas das mais belas imagens do Ribatejo jamais filmadas e acaba por meter de tudo um bocadinho numa salgalhada de folhetim sentimental em que os campinos são apenas nota folclórica....”
António Lopes Ribeiro
Da sinopse retira-se, segundo José de Matos-Cruz, que:
“Manuel Garrido, abastado lavrador, criador de touros e hábil cavaleiro tauromáquico, vê a sua razão de pessoa sensata escravizada pelo coração impetuoso, quando duas mulheres lhe cabem no destino: Branca, toda sensibilidade e doçura, símbolo das virtudes da mulher portuguesa; e Nina, cantora estrangeira, estonteante e dominadora. Da tremenda luta que se trava no espírito de Manuel Garrido, vencerá a prudência, que traz como prémio os mais apoteóticos triunfos na arena... “
Ainda, de acordo com José Matos-Cruz:
“Trata-se do filme mais perverso de António Lopes Ribeiro. Segundo uma crispada movimentação de câmara, sublinhada pela montagem rápida, tudo começa numa praça de touros, seguida da sofisticada atmosfera de um cabaré: dois traços, dois mundos que logo caracterizam a existência intensa e apaixonada do protagonista – um pouco o homem fatal que Leitão de Barros esboçou em Lisboa, Crónica Anedótica, numa associação com a boémia de A Severa…
O risco e a sedução para o galã latino, já não pela fadista desditosa, mas, isso sim, por uma aventureira.
Gado Bravo
Em Gado Bravo constata-se também, paralelamente à homogeneidade da equipa técnico-artística oriunda de distintos países, o peso de profissionais estrangeiros com larga experiência, com realce para um notável director de fotografia como Heinrich Gartner.
Um mero pormenor, temo-lo no recurso ao contra-picado para realçar o porte garboso do cavaleiro.
Visual é, também, um dos gags mais conseguidos – quando o carro de Nina segue em fotograma acelerado pela íngreme estrada de Alcobaça, tendo por sugestivo acompanhamento musical um ritmo de fandango.
E se a música de fundo – por Luís de Freitas Branco e Hans May – é de um modo geral vibrante mas nostálgica, estabelecendo significativo contraste com os acordes típicos, Gado Bravo resulta como um filme dirigido sobre o olhar – a forma como a câmara perscruta, foca ou procura as expressões das personagens e prolonga o que elas observam…”
Porém, João Bénard da Costa, em “Histórias do Cinema”, afirma:
“No genérico António Lopes Ribeiro surge na qualidade de Realizador e Max Nosseck, refugiado em Portugal devido à sua origem judia (alemã), assina como supervisor artístico e técnico, contudo, as más línguas têm lançado dúvidas sobre quem de facto realizou o filme, desde a sua estreia até aos dias de hoje”
Douro fauna fluvial
Na sua estreia comercial a 8 de Agosto de 1934, no cinema Tivoli, em Lisboa, teve como complemento, nada mais, nada menos do que o documentário de Manoel de Oliveira, “Douro, Faina Fluvial”, agora já com banda sonora, sendo a critica favorável e a adesão popular um elemento de destaque.
Voltando a João Bénard da Costa:
"Uma restauração recente, feita a partir do negativo existente na Cinemateca Francesa e pelos serviços de restauro desta, permitiu a revisão do filme no esplendor original. O termo "esplendor" não o uso irónica ou superlativamente. "Gado Bravo", convencionalíssimo no argumento, história de um homem manso entre touros e mulheres bravias, um dos inúmeros filmes que tem por cenário campinas e Ribatejo, faceta indispensável do luso folclore que até ao 25 de Abril se revelou um dos mais sinistros filões do nosso cinema, é plasticamente belo e é mesmo o mais belo de todo esse ciclo ribatejano."
Estamos em 1935, ano em que foi criado o Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo, conhecido no meio apenas pela sigla SNI, o qual não mais foi do que o órgão oficial responsável pelo controlo de toda a actividade cultural, propaganda política, comunicação social, turismo e acção cultural, através do qual o regime do chamado Estado Novo se sobrepunha a qualquer tipo de interesses nestes domínios desde que estes não estivessem em sintonia com o modo de pensar e agir do governo vigente.
As Pupilas do Senhor Reitor
É precisamente em 1935 que a 2ª versão cinematográfica do romance de Júlio Diniz, “As Pupilas do Senhor Reitor”, através da mão do Realizador Leitão de Barros, argumento de Jorge Brum do Canto e Produção da Tobis Portuguesa, se apresenta ao público, no cinema Tivoli, em Lisboa, com vozes e ruídos de fundo, dado a versão anterior, datada de 1924, do Realizador Maurice Mariaud, ter sido feita no formato vigente à época, ou seja, muda.
Esta Obra literária foi alvo de uma nova versão, em 1961, tendo, então, Perdigão Queiroga como Realizador sendo a representação entregue a António Silva, Humberto Madeira, Elvira Velez, Alina Vaz, Raul Solnado, Eugénio Salvador, entre outros.
No sentido de dar uma ajuda significativa à indústria produtora cinematográfica, o Estado Novo publica o Decreto nº 25.259, através do qual isenta de quaisquer impostos sobres os direitos de importação de todo o tipo de equipamento e demais serviços.
É, também, em 1935, que se faz a primeira dobragem de um filme para português, concretamente “O Grande Nicolau”, de origem francesa, cuja distribuição foi da responsabilidade da empresa Filmes Império, sendo os estúdios de sonorização da Tobis Portuguesa onde este pioneiríssimo trabalho teve lugar.
Entre outras vozes, referência às de Alberto Ghira, Armando Machado, Filomena Lima, Hortense Luz, Rafael Marques, Ribeirinho e o super-consagrado Vasco Santana.