Realização no Feminino
2018-01-10
Texto: Carlos A Henriques
Maria de Lourdes Dias Costa-(Fernandes Vilela Alves, pelo casamento), Actriz, Cineasta, Locutora de Rádio e Declamadora, que optou pelo nome artístico Bárbara Virginia (Bárbara da parte da Avó e Virgínia da Mãe), nasceu em Lisboa a 15 de Novembro de 1923.
Oriunda de uma família da classe média alta lisboeta (o Pai foi Oficial Superior da Marinha), morou nas Avenidas Novas, tendo feito o ensino secundário nos Liceus Maria Amélia e Filipa de Lencastre e frequentou o Conservatório Nacional de Lisboa em Canto Lírico, Piano, Teatro, Dança (Ballet), Encenação e Composição Musical na qualidade de ensino superior.
Com 20 anos de idade fez, a 18 de Julho de 1943, a sua prova final do Curso com a peça “A Labareda” (“La Flame”), de Henri Kiest-Mackers, usufruindo do saber do seu Mestre e Mentor Alves da Cunha, assim como de Assis Pacheco, Carlos Santos, Maria Matos e Samuel Diniz.
No canto a sua estreia deu-se, com apenas 15 anos, em 1938, na, então, Emissora Nacional (EN), actual RDP (RádioDifusão Portuguesa), tendo declamado também. No Teatro de S. Carlos executava dança clássica.
No Cinema a estreia dá-se em 1945 no filme de Carlos Porfírio (Realizador) “Sonho de Amor”. A ante-estreia, em Évora, no Salão Central Eborense, correu mal, o que levou ao atraso de 3 anos para a sua estreia em Lisboa, no dia 25 de Agosto de 1948. O filme conta nos principais papéis com a actriz Maria Eduarda Gonzalo, Ramiro da Fonseca, Olavo d’Eça Leal, para além de Bárbara Virgínia.
Cartaz filme “Sonho de Amor”
A sua estreia como Realizadora dá-se em 1946 com o seu único filme de fundo “Três Dias Sem Deus”, um drama, adaptação da Obra de Gentil Marques “Mundo Perdido”, com o financiamento a ser garantido por um comerciante de canetas de tinta permanente da marca Conklin, de nome Felisberto Felismino.
Bárbara Virgínia escreveu, em parceria com Raul Faria da Fonseca e Fernando Teixeira, protagonizou (Lídia) e realizou este filme, tornando-se, deste modo, a primeira mulher portuguesa a realizar uma longa-metragem sonora. A estreia em Lisboa deu-se a 30 de Agosto de 1946 no cinema Ginásio, tendo tido boas referências da parte do público e da Crítica tanto ao filme como à Realizadora após a projecção.
Cartaz “Três Dias Sem Deus”
A Rodagem foi feita nos estúdios da Cinelândia, sendo a Produção e Distribuição do filme da responsabilidade da Invicta Film, versando o mesmo sobre:
“A tensão gerada entre um mundo nocturno, rural e supersticioso, personificado pela bruxa Bernarda, e um outro mundo, este solar, representado por Lídia, que acredita no diálogo, no saber escolar e que tem do campo uma visão bucolicamente normalizada”
Rodagem de “Três Dias Sem Deus”
Do elenco fazem parte:
Anúncio da estreia de “Três Dias Sem Deus”
À pergunta de um Jornalista do Diário de Lisboa (16/08/1946):
"Não receia que lhe não perdoem a invasão dum campo onde só homens têm actuado?"
A resposta de Bárbara Virgínia não se fez rogada:
"Não. Posso recear o não ter atingido o mínimo das exigências inerentes a uma obra desta envergadura. O resto seriam pensamentos doentios"
A Crítica na Imprensa
Como actriz de teatro a sua estreia dá-se na Companhia de Alves da Cunha com a peça “O Ladrão”, de Bernstein, no Teatro Sá da bandeira, no Porto, tendo participado, de seguida, em 2 revistas no Parque Mayer (Teatro Maria Vitória), respectivamente “Banhos de Sol” e “As Canções Unidas”, dado que há época era comum incluir nas Revistas à Portuguesa um número de bailado ou de declamação cuja interpretação era entregue a artistas com formação clássica. Os Autores escolhidos nas suas declamações foram, respectivamente, Catullo da Paixão, Fernanda de Castro e Florbela Espanca, entre outros.
A opereta faz parte do seu portfólio, tendo-se estreado em 1947 com “Flor da Murta” (Sua Majestade, O Amor), de Silva Tavares, levada à cena no Teatro Maria Vitória.
Em 1947 volta à revista, mas agora no Casino Estoril, com “Alô, Estoril” e entra num filme de Armando de Miranda, o “Aqui, Portugal”.
Cartaz filme “Aqui Portugal”
Dedicou-se muito à Rádio, tendo participado com Igrejas Caeiro, Autor e Apresentador, do célebre programa “O Comboio das Seis e Meia”. Um grande sucesso à época.
Anto, um projecto de filme, o qual versava a vida do poeta António Nobre, não consegue obter financiamento, razão que acabou por inviabilizar a sua concretização. O mesmo rumo tiveram os projectos: “IV Centenário de S. Paulo”, “Aleluia” e “Podia Acontecer”, este último baseado na escrita do dramaturgo António Cruz.
Em 1949 dedica-se, quase em exclusivo, à declamação, tanto em Lisboa como nas Ilhas (Madeira e Açores), assim como pela europa (Espanha, França e Holanda).
Em 1952, no mês de Agosto, após um recital de poesia no Teatro S. Luís, em Lisboa, é contactada à saída por um empresário brasileiro, de nome Assis Chateaubriand, dono da primeira estação televisiva brasileira, a TV Tupi, o que a leva a rumar ao Brasil, mais concretamente a S. Paulo, onde se estreia no Teatro Cultura Artística no mesmo ano, assinando de seguida um contrato com a estação de televisão referida, onde o sucesso foi a nota dominante.
Entre 1955 e 1957 dedicou-se ao negócio da restauração, tendo aberto, em S. Paulo, em sociedade com a Mãe, um restaurante, o “Aqui, Portugal”, em que a principal estrela era, precisamente, a boa comida Portuguesa, sendo o nome do restaurante uma homenagem ao título do filme de Armando de Miranda no qual se cruzou, agora no Cinema, com Maria Barroso.
Só voltou a Portugal em 1958 para passar férias, tendo vivido até aos seus últimos dias no Brasil.
Em 1963 contrai matrimónio (26 de Outubro), do qual resultou o abandono de toda a actividade artística num grande espectáculo no Teatro Municipal de S. Paulo no dia 15 do mesmo mês, excepção feita à Rádio Tupi na qual continuou a dar o seu contributo de uma voz bem tratada para gáudio dos seus ouvintes.
Nos anos 90 é a vez da publicação de três livros de etiqueta, dentro da mesma linha de colaboração que manteve durante muitos anos com várias Revistas femininas, nomeadamente com o suplemento do jornal “O Século- Modas e Bordados”.
Com o filme “Três Dias Sem Deus” protagonizou a primeira presença do Cinema Português em Cannes (5 de Outubro de 1946), juntamente com Camões, de José Leitão de Barros, precisamente no ano de arranque deste importante Festival de Cinema na Europa (França), à data denominado por “Festival International Du Film Cannes”.
A devoração temporal de Obras cuja preservação nem sempre foi a mais cuidada, assim como a sujeição a um grande incêndio, conduziu à situação de haver do filme “Três Dias Sem Deus” apenas alguns fragmentos de imagens altamente degradadas dos 102 minutos originais, cerca de 26 minutos (868 metros), actualmente nos cofres da Cinemateca/ANIM, tendo-se perdido na totalidade o registo sonoro.
Morre em S. Paulo a 7 de Março de 2015, com 91 anos de idade e está sepultada no cemitério do Morumbi.
Bárbara Virgínia em 2012 (S. Paulo)
O Festival Olhares do Mediterrâneo, Cinema no Feminino, promoveu, na sua edição de 2015, uma Exposição de documentos e testemunhos, assim como uma interessante Mesa Redonda designada por: “À Conversa Sobre Bárbara Virgínia”, com moderação de Ana Catarina Pereira (UBI) e a participação de Ana Mafalda Reis (Olhares do Mediterrâneo), Helena Matos (colaboradora do jornal Observador), Luísa Sequeira (Jornalista e Realizadora), Wiliam Pianco (Investigador) e Tiago Baptista (Conservador da Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema), lendo-se no seu programa:
Cartaz do Festival Olhares do Mediterrâneo
“O objectivo da sessão, inserida na homenagem à realizadora (da qual faz também parte a exposição de imagem e vídeo Bárbara Virgínia-Primeira Realizadora Portuguesa), consiste em dar a conhecer Bárbara Virgínia, a primeira realizadora a dirigir uma longa-metragem de ficção, em Portugal, que permaneceria como feito único durante todo o período do Estado Novo".
A Academia Portuguesa de Cinema (APC) atribui, desde 2015, o Prémio Bárbara Virgínia, com o objectivo de reconhecer pelos serviços de excelência prestados a favor do Cinema Português a uma figura feminina. Em 2015 foi contemplada a Actriz Leonor Silveira e em 2016 a Actriz Laura Soveral.
Em 2017 a escolhida foi Teresa Ferreira (Técnica Colorista-Étalonadora) pelo sua superior sabedoria na arte de colorização na grande maioria dos filmes Portugueses, tendo a mesma trabalhado, por tal razão, com os maiores Realizadores Nacionais.
Estatueta “Prémio Bárbara Virgínia”
Filmografia
Actriz
Sonho de Amor (Carlos Porfírio-1945);
Neve em Lisboa (Documentário de Raul Faria da Fonseca-1945);
Três Dias Sem Deus (Bárbara Virgínia-1946);
Aqui, Portugal (Armando de Miranda-1947).
Narradora
Neve Em Lisboa (Documentário de Raúl Faria da Fonseca-1945);
Realizadora
Três Dias Sem Deus (Longa 35mm/p/b-1946);
Aldeia dos Rapazes-Orfanato Sta. Isabel de Albarraque (Doc. sonoro-15‘- 35mm/p/b-1946);
Jogo da Sardinha (O registo na Cinemateca indica José de Oliveira Cosme como Realizador deste documentário sobre a indústria conserveira do Algarve-1946).
Publicações Escritas
Voz;
Diário de Lisboa;
Emissora Nacional (Publicação escrita da Estação de Rádio EN);
Revista Plateia (Cartas);
O Século (Suplemento: Modas e Bordados);
Edições Católicas (A Mulher, Poder, Pode ....Mas Não Deve e Etiqueta....Sem Etiqueta).
Prémios
Prémio do Teatro Declamado (TV Tupi-1957);
Prémio Carlos Alves (Melhor intérprete de poesia-1957).