Com o Cinema na Alma
2017-10-09
Texto: Carlos A Henriques
António de Macedo Cineasta, Ensaísta, Escritor, Investigador e Professor, nasceu em Lisboa a 5 de Julho de 1931, na mesma cidade onde se verificou o seu abandono desta sua passagem terrena a 5 de Outubro de 2013.
Como mera nota de curiosidade, António de Macedo nasceu no mesmo prédio do Escritor Camilo Castelo Branco, ou seja, na Rua da Rosa, no N°8, sendo o seu pai de origem brasileira (Pará) e empregado na loja da Kodak, sendo este o grande responsável pelo seu gosto da actividade cinematográfica, dado que levava à surrelfa para casa filmes para visionamento num projector também “desviado” da loja, material que era reposto na loja no dia seguinte.
Sua mãe, também empregada da loja Kodak, local onde conheceu seu pai, partilhava dos mesmos gostos pelas máquinas e películas, pelo que, estava escrito, António de Macedo teve que se dedicar ao celuloide, como o mesmo gostava de afirmar.
Na loja da Kodak havia um mecânico que recuperava máquinas de filmar avariadas que eram atiradas para o lixo por falta de peças, tendo oferecido uma máquina de filmar recuperada de corda de 16mm a António Macedo que ia muitas vezes à loja visitar os pais e que não conseguia esconder o seu fascínio pelo mundo que ali o rodeava. Essa máquina ainda hoje funciona, tendo a mesma sido oferecida à sua filha, razão possível pela opção profissional da mesma.
Foi com essa máquina que iniciou a sua actividade cinematográfica, fazendo filmes experimentais de âmbito familiar, usando para o efeito película fora de prazo que seu pai lhe oferecia. Esses filmes ainda existem à guarda da família.
Fez o ensino secundário no Liceu Camões, e desde muito novo teve uma certa queda para a música, graças à existência de um piano em sua casa onde pai e mãe praticavam e incentivavam-no à prática do mesmo, tendo-se inscrito, aos 19 anos, na Sociedade Portuguesa de Autores na qualidade de músico, sendo obrigatória a apresentação de duas partituras originais no acto de candidatura . Até se tornar cineasta profissional escreveu mais de 100 músicas originais.
O seu percurso universitário fez-se pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa, tendo mais tarde frequentado a ESBAL (Escola Superior de Belas Artes de Lisboa) onde se licenciou em Arquitectura, decorria o ano de 1958, tendo exercido a profissão que o Curso lhe conferiu na Câmara Municipal de Lisboa até 1964.
Em 2010 doutorou-se com distinção e louvor com a tese Sociologia da Cultura na Universidade Nova de Lisboa, como corolário da sua especialização que fez na investigação e estudo das religiões comparadas de Esoteria, História da Filosofia e da Estética do Audiovisual, assim como de formas literárias e fílmicas da chamada Ficção Especulativa.
Teve dois filhos, respectivamente, Susana Sousa Dias (Realizadora) e António Sousa Dias (Músico e Professor).
O Realizador de Cinema
António de Macedo conta no seu historial com cerca de 50 pequenas e médias metragens, sendo alguns de cariz experimental, e 12 longas metragens, nas quais o esoterismo e o Cinema fantástico lhe conferiram o estatuto de vanguardista, apesar de muitos não o integrarem no grupo dos que pertenceram ao Novo Cinema Português.
O seu primeiro filme de fundo “Domingo à Tarde”, obra literária da autoria de Fernando Namora, foi levado ao ecrã em 1965, e dois anos depois um segundo filme que pretendeu dar um ar fresco ao Cinema português “Sete Balas Para Selma”. Este último foi um filme polémico que buscava na poesia de Alexandre o’Neil e na música de uma banda famosa à época, o Quinteto Académico, uma via para o género policial dentro da onda “Novo Cinema” que se iniciara em 1962 com o filme “Dom Roberto” do Realizador José Ernesto de Sousa e no ano seguinte com “Os Verdes Anos” de Paulo Rocha.
O seu estado de alma, em permanente conflito com o Estado estabelecido de então, leva-o a realizar em 1970 “Nojo Aos Cães”, no qual são evidenciadas manifestações do tipo das que ocorreram dois anos antes em Paris por ocasião das chamadas “Manifestações Académicas de Maio”, ou, o famoso “Maio de 68”. É óbvio que a comissão de censura então existente proibiu a exibição do filme.
Seguem-se “A Promessa” (1972), “O Princípio da Sabedoria” (1975), com o qual dá o pontapé de saída aos seus filmes de âmbito misticismo especulativo, “As Horas de Maria” (1976) com a igreja católica a protestar e a fazer tentativas de boicote ao visionamento do filme, “O Príncipe Com Orelhas de Burro” (1978), “Os Abismos da Meia-Noite” (1983), um dos nossos preferidos, “A Maldição de Marialva” (1989) e “Chá Forte Com Limão” (1993).
Abandonou a arte de filmar considerando que andava a ser perseguido por aqueles que decidiam os subsídios a atribuir, dado estes, segundo palavras suas, considerarem que o seu Cinema era de um género que não interessava, pelo que só voltou a estrear um filme em 2016, concretamente “O Segredo das Pedras Vivas”.
O último filme de António de Macedo (2016)
O Que Se Diz de António de Macedo
O Realizador João Monteiro, que fez sobre "O Cinema de António de Macedo” o filme “Os Interstícios da Realidade”, afirma:
“Foi o primeiro a ir a Veneza, o primeiro a estar em Cannes, o primeiro a filmar um nu integral, a usar jazz e electrónica; é o único cineasta com obra contínua no campo do fantástico e ninguém sabe, ninguém se lembra”
Neste documentário é possível ficar-se a saber um pouco mais sobre este “renegado” Realizador, nalguns casos pelos próprios colegas de profissão, havendo depoimentos muito interessantes de figuras proeminentes do Cinema português.
A sua escrita era directa e profundamente crítica sobre as situações que considerava menos claras ou de índole meramente hipócrita ou de contornos reveladores de uma grande insensibilidade por parte de quem tem a obrigação de puxar pelas instituições como, por exemplo, o binómio Ministério da Cultura/Secretaria de Estado da Cultura.
Na nossa qualidade de Amigos no Facebook, recuperamos um texto por si postado na sua página sobre o binómio atrás referido:
Rodagem "Princípio da Sabedoria"
UMA CURIOSIDADE HISTÓRICA
António de Macedo
(In “Facebook”, a 14 de Setembro de 2016)
«Sempre que oiço falar de cultura, a primeira coisa que faço é puxar da pistola».
Esta bem conhecida citação, e suas variantes, é frequentemente atribuída a Goering duante o período entre as duas guerras mundiais. Se ele proferiu ou não a frase em causa não é bem certo, mas a verdade é que a origem da mesma não se deve a ele.
O que se sabe é que provém de uma réplica de uma peça de teatro intitulada “Schlageter”, do dramaturgo nazi Hanns Johst:
«Wenn ich Kultur höre… entsichere ich meinen Browning» [Quando oiço falar de cultura… destravo a minha Browning]
Aliás não foi Goering o único oficial nazi a usá-la: o próprio Rudolf Hess também a usou, uma vez que se tornara proverbial na Alemanha, geralmente sob a forma:
«Sempre que oiço falar de cultura, puxo logo da pistola».
Tinha eu 43 anos quando se deu a revolução de 25 de Abril de 1974, em Portugal, de modo que pude (infelizmente) viver bastante tempo sob um regime ditatorial que não só aprendeu algumas coisas com o nazismo, como também lhe serviu de inspiração: Hitler subiu ao poder em 1933, quando se tornou chanceler da Alemanha nazi. Salazar também integrou um regime ditatorial em 1933, embora já estivesse no governo desde 1928. Tanto num caso como noutro, a cultura era vista com a maior das desconfianças.
Uma Curiosidade Histórica
No caso português, o regime salazarento associava a cultura a uma espécie de viveiro de infectas ideias progressistas geralmente inquinadas de comunismo.
A ideia de um Ministério da Cultura, corrente em países livres, não surgiu pelas melhores razões. Em França o Ministério da Cultura foi criado em 1959 pelo presidente Charles de Gaulle, e, sob a capa da democratização da cultura, tentava-se limitar a influência comunista através da acção cultural do Estado gaullista.
A ideia seminal proviera de um dos ministérios do III Reich nazi, tutelado por Joseph Goebbels, o Ministério da Propaganda Nazi (1933), que se destinava não só a promover o partido nazi e o seu programa, mas a ter o controlo absoluto da imprensa, das artes e da informação na Alemanha.
Em Portugal a cultura só teve direito a um ministério próprio depois do 25 de Abril de 1974. Antes disso a cultura em Portugal era controlada pelo Secretariado Nacional de Informação (SNI) e depois pela Secretaria de Estado da Informação e Turismo (SEIT), que incluía os serviços da censura à imprensa, cinema, teatro, etc.
Dois anos depois do 25 de Abril, em 1976, foi criada pela primeira vez uma Secretaria de Estado da Cultura (SEC), dirigida por David Mourão-Ferreira, e só a partir de 1983 a SEC foi transformada em Ministério da Cultura.
Quando Cavaco Silva (PSD) subiu ao poder como primeiro-ministro em 1985, com a pouca simpatia que a cultura lhe inspirava, retirou-lhe o estatuto de Ministério, e durante os 10 anos de cavaquismo a sua função passou a ser a de uma simples Secretaria de Estado. Somente com a entrada em vigência do governo dirigido por António Guterres (PS), em 1995, a SEC regressou ao estatuto de Ministério da Cultura.
Com Passos Coelho (PSD) o Ministério da Cultura voltou a ser despromovido e a respectiva tutela passou para um Secretário de Estado, e só recentemente com António Costa (PS) a Cultura voltou a ter direito a um Ministério próprio.
Não há dúvida que quando uma certa direita ocupa o poder, se mantém fiel à tradição hitleriano-salazaresca da desconfiança pela Cultura…
A Alquimia Espiritual dos Rosacruz
O Professor
A actividade de António de Macedo para a maioria dos que o conheciam cingia-se à de Realizador de Cinema e à sua “teimosia” em fazer filmes diferentes, porém o seu modo de estar na vida levou-o a trilhar outros caminhos como o de Ensaísta, Escritor, Investigador e também o de Professor, tendo-se dedicado em 1970 ao ensino tendo sido Professor no IADE (Instituto de Artes DEcorativas), no INP (Instituto de Novas Profissões), Universidade Lusófona, Universidade Moderna e Universidade Nova de Lisboa, tendo regido cadeiras como Análise da Imagem, Arte Narrativa e Esoterismo Bíblico e Teoria e Prática do Cinema.
De realçar, ainda, o facto de ter lecionado um Curso Livre, na Universidade Nova de Lisboa, numa área que lhe era muito apetecível, ou seja: “Introdução ao Estudo do Esoterismo Bíblico”, dado ter sido investigador das tradições esotéricas e iniciáticas, indo o destaque para o gnosticismo cristão, sendo também um grande especialista em religiões comparadas.
Para António de Macedo o hermetismo, a literatura do mundo do fantástico, assim como da ficção científica, eram outros temas de seu deleite.
Dado ter sido membro, desde 1980, da Fraternidade Rosacruz (Max Heindel), a qual não é mais do que uma Ordem de base espiritual, tendo a mesma, entre outras actividades, a promoção de cursos à distância de Cristianismo Isotérico e Filosofia, Astrologia Espiritual e Interpretação da Bíblia, a mesma proporcionou-lhe uma fonte inesgotável de conhecimentos que o mesmo transferiu para algumas das suas obras.
António Macedo o Professor
As Cooperativas
O Cinema Português teve sempre um grande problema na sua manutenção, que o mesmo é dizer, falta de financiamento, razão que conduziu António de Macedo a participar na criação de duas Cooperativas viradas para a actividade cinematográfica, concretamente a Cooperativa Centro Português de Cinema (CPC) e a Cinequanon.
A CPC, foi criada em 1969 por um grupo de cineastas ligados ao Novo Cinema Português, do qual António de Macedo fazia parte, juntamente com António-Pedro Vasconcelos, Alberto Seixas Santos, Alfredo Tropa, Artur Ramos, Fernando Lopes, Fernando Matos Silva, Gérard Casttelo Lopes, José Ernesto de Sousa, José Fonseca e Costa, Manuel Costa e Silva, Manuel Faria de Almeida, Manoel de Oliveira, Manuel Ruas e Paulo Rocha, havendo uma segunda leva de entradas com Acácio de Almeida, Elso Roque e António Escudeiro.
A Cinequanon (Cooperativa de Produção de Filmes), fundada em 1973 e oficializada em 1974, trabalhava, fundamentalmente para a Televisão, que o mesmo é dizer, para a RTP.
O Escritor
A sua vasta participação em eventos nos quais pôs à prova as suas profundas convicções como, colóquios, palestras, conferências, assim como as próprias aulas, acabaram por lhe serem muito úteis para vários textos que entretanto foi produzindo. Na lista da bibliografia abaixo apresentada, figuram as principais obras.
Dirigiu, também, a colecção “Bibliotheca Phantastica”, da Editora Hugin, assim como esteve envolvido, desde 1996, nos “Encontros Internacionais de Ficção Cientifica & Fantástico de Cascais” e foi um dos fundadores da SIMETRIA.
Bibliografia
A Evolução Estética do Cinema (1959-1° Volume/1960-2° Volume)
Da Essência da Libertação (1961);
A Pomba (1983);
A Nova Ilusão (1984);
O Osso de Mafoma (1989);
O Limite de Rudzky (1992)
Contos de Androthelys (1993)
Sulphira & Lucyphur (1995);
A Sonata de Cristal (1996);
Erotosofia (1998);
Instruções Iniciáticas (1999);
O Cipreste Apaixonado (2000);
Laboratório Mágico (2002);
O Neoprofetismo e a Nova Gnose (2003);
As Furtivas Pegadas da Serpente (2004);
Esoterismo da Bíblia (2006);
Textos Neo-Gnósticos (2006);
A Conspiração dos Abandonados (2007)
Cristianismo Iniciático (2011)
O Sangue e o Fogo (2011);
A Provocadora Realidade dos Mundos Imaginários (2016).
Filmografia
Longas Metragens
Domingo à Tarde (1965);
Sete Balas Para Selma (1967);
Nojo Aos Cães (1970);
A Promessa (1972);
O Princípio da Sabedoria (1975);
Fotograma de “As Horas de Maria”
As Horas de Maria (1976);
O Príncipe Com Orelhas de Burro (1979);
Os Abismos da Meia-Noite (1983);
Os Emissários de Khalôm (1988);
A Maldição de Marialva (1989);
Chá Forte Com Limão (1993);
O Segredo das Pedras Vivas (2016)
Médias e Longas-Metragens
A Primeira Mensagem (1961);
Verão Coincidente (1962);
Nicotiana (1963);
1X2 (1963);
Afonso Lopes Vieira (1966);
Crónica do Esforço Perdido (1966);
Fernão Mendes Pinto;
Alta Velocidade (1967);
Albufeira (1968);
Fado: Lisboa-68 (1968);
A Ginástica na Prevenção dos Acidentes (1968);
A Revelação (1968);
Almada-Negreiros Vivo Hoje (1969);
Cine-Riso N°1 (1969);
História Breve da Madeira Aglomerada (1970);
Totobola-Relatório e Contas (1970);
Cinco Temas Para Refinaria & Quarteto (1971);
Do Outro Lado do Rio - Almada (1971);
Inauguração da Doca Alfredo da Silva (1972);
O Leite (1972);
Lisboa-Jardim da Europa (1972);
Cenas da Caça no Baixo Alentejo (1973);
A Criança e a Justiça (1973);
Um Milhão de Vóltios (1973);
Marconi-Via Satélite (1973);
Arquitectura e Habitação (1974);
A Arte Culinária (1974);
A Profissão de Produtor Em Portugal (1974);
Vendedores Ambulantes (1974);
Candidinha (1975);
A Cooperativa Cesteira de Gonçalo (1975);
Hotel das Arribas-Um Ano de Auto-Gestão (1975);
Ocupação de Terras na Beira-Baixa (1975);
A Penteadora (1975);
Peter Lilienthal Filma em Setúbal (1975);
Teatro Português (1975);
Unhais da Serra-Tomada de Consciência Política Numa Aldeia Beirã (1975);
Os Encadernadores (1976);
Os Tipógrafos (1976);
Cooperativa de Ópera (1977);
A Bicha das Sete Cabeças (1978);
O Encontro (1978);
Encontros Imediatos do Nosso Grau (1979);
Ano Internacional da Criança (1979);
O Futuro do Mondego (1982);
Para Uma Vida Melhor, Numa Cidade Melhor (1982);
50 Anos de Um Complexo Escolar Universitário de Engenharia (1985).
Televisão
Fatima Story (1975);
O Outro Teatro (1976);
Recuperação de Doentes (Série-1979);
XX-XXI Ciência e Técnica, Hoje e Amanhã (Série);
A Magia das Bonecas (1981);
Fernando Lenhas: Os sete Rostos (1988);
O Altar dos Holocaustos (1992);
Santo António de Todo o Mundo (1996).
Prémios
Recebeu o Prémio Sophia de Carreira em 2012 e no decorrer do Fantasporto de 2013 foi-lhe atribuído, também, o Prémio de Carreira e na edição de 2014 do Fórum Fantástico, organizado pelo Colectivo Trëma, foi-lhe atribuído o Prémio Adamastor “Personalidade Fantástica”.
Prémio Sophia (2012)