A Amizade Como Trunfo
2016-10-02
Texto: Carlos A Henriques
Nesta segunda parte da mini-Biografia de Fialho Gouveia, editada 14 anos após a sua morte física, será dada a palavra a dois Amigos comuns, respectivamente Nunes Forte e Vasco Hogan Teves, pois quem com ele trabalhou sabe a importância que o mesmo dava ao estabelecimento e mantimento de uma boa e profunda amizade.
Nunes Forte
O meu Amigo Zé
Conheci o Zé, quando já era muito popular através da RTP, e pouco tempo depois de ter casado com a Maria Helena Varela Santos, filha do capitão Jaime Varela Santos, proprietário da Rádio Ribatejo. Colaboravam ambos em programas daquela emissora ribatejana nos estúdios de Lisboa na Av. D. Rodrigo da Cunha, perto da Avenida da Igreja.
A primeira vez que o vi pessoalmente foi numa noite em que estava a fazer treinos de leitura sob direção do cunhado Alberto Varela Santos. Fiquei super nervoso quando ao olhar para a régie reparei que também lá estava o Fialho Gouveia atento à minha leitura. Fui-lhe apresentado, e com aquele ar bem disposto que o caracterizava, comentou:
“Eh pá, parabéns, tens boa voz e lês bem, precisas é de controlar melhor a respiração nos parágrafos maiores”
Curiosamente já o tinha como referência quando passei a usar como nome profissional os dois últimos apelidos tal como ele o fazia.
Depois das gravações no Rádio Ribatejo costumava ficar sentado com o cunhado e comigo a ver a “Seleção Policial” apresentada pelo “Inspetor Varatojo” na RTP. O episódio tinha que ser visto com muita atenção, porque no intervalo “o inspetor” aparecia para fazer uma pergunta do tipo:
“Qual era a matrícula do carro que estava estacionado em frente do local do crime?”
E os três competíamos para ver quem é que acertava na pergunta. Era um momento muito descontraído e divertido. Depois ainda ficávamos por ali em conversa mais uns minutos até que Fialho Gouveia, que ainda tinha de regressar à RTP para ler as “Últimas Noticías”, dizia com piada:
“Tenho de me ir embora já, porque senão ainda aqui estarei quando aparecer ali em direto”
Nessa época havia em Lisboa muitos espetáculos de variedades e os mais populares locutores como ele e o Henrique Mendes estavam sempre presentes. Ainda não era a época de Carlos Cruz. Eu, e outros mais novos, também colaborávamos nessas festas.
Recordo-me de, em representação de Rádio Ribatejo, ter estado na celebração dos ”25 anos de carreira do locutor/produtor Marques Vidal”, num grandioso espetáculo, esgotado semanas antes, no Pavilhão dos Desportos (depois Pavilhão Carlos Lopes e atualmente totalmente degradado), com Fialho Gouveia e Maria Helena e mais 22 Locutores (25 locutores nos 25 anos). Enquanto esperávamos nos bastidores fizeram-nos uma foto, a única que possuo com os três.
Depois visitei-o em vários programas radiofónicos de êxito, como o famoso PBX no RCP (Rádio Clube Português) produzido pelos Parodiantes de Lisboa que realizava com Carlos Cruz, com conteúdos e uma linguagem inovadora e onde trabalhava também nessa altura uma das melhores vozes da Rádio, o meu amigo Rui Pedro, que morreu cedo.
Mais recentemente, quando trabalhava com Maria Leonor, de quem Fialho Gouveia era muito amigo, procurava-me na Antena 1 para trocar impressões sobre artistas antigos, com os quais sabia que tinha boas relações, para encontrar temas para programas como “E o resto são cantigas…”.
Nunca fui visita de sua casa, mas mantive ao longo dos anos uma relação de grande amizade, nomeadamente quando com a sua nova família, que incluía já o filho mais novo, foi à Expo 82 dedicada à Televisão. Viajámos no Paquete Funchal, que nos serviu de hotel em Sevilha, e durante a viagem conversámos bastante sobre TV. Em todas as manhãs das visitas à Expo, o Zé e a família, eu e os meus filhos, éramos os primeiros a chegar aos portões.
E depois íamos em louca correria para os pavilhões que queríamos visitar nesse dia antes que se formassem as longas filas de horas. Num desses dias em que ia mais à frente, virei-me para trás e tirei-lhe uma foto que lhe ofereci. O Zé terá achado tanta piada a esse instantâneo o que, por coincidência na última vez em que falámos, motivou um comentário:
“Eh pá tenho lá em casa emoldurada a foto que nos tiraste na Expo”
Depois perguntou-me como ia a minha vida profissional, comentando que a dele já tinha conhecido dias melhores, considerando que a RTP o podia aproveitar mais na produção de programas, porque ideias tinha muitas.
Comentou o “caso Carlos Cruz” que considerava uma grande mentira, pois trabalhando com ele durante muitos anos (desde o Zip-Zip) e várias horas ao longo do dia nunca detetara nada que pudesse comprovar a tese da acusação.
“Olha vou dando mais tempo ao meu Benfica. Até um dia destes”
Pouco tempo depois, enquanto produtor de Júlio Isidro, fui encarregado de pesquisar material da sua vida profissional e de editar pequenos “clips” para um programa que foi apresentado na RTP em direto da Tobis com a participação de familiares, colegas e amigos.
A emoção esteve sempre muito presente nessa emissão feita dois dias após a sua morte e que terminou um pouco mais cedo do que o previsto, porque Júlio Isidro que estava a entrevistar o filho, naturalmente muito emocionado, sentiu que não tinha condições anímicas para continuar, despedindo-se praticamente no final da primeira resposta.
Fialho Gouveia, o meu amigo Zé, deixou muita saudade, porque era um grande profissional de Rádio e de Televisão e uma pessoa excepcional.
Nunes Forte (Outubro 2015)
Na RTP Fialho Gouveia trabalhou com muitos notáveis entre os quais Vasco Hogan Teves que o recorda como Amigo, companheiro de luta, mas, fundamentalmente, como profissional de primeira água.
Vasco Hogan Teves
Partiu cedo - cedo demais - o meu Amigo José Manuel Fialho Gouveia.
Amigo, sim, daqueles das verdades construídas e cimentadas por longos ciclos de convívio, por aproximações a momentos e oportunidades sedeadas nos caminhos da vida; por partilha de projectos e aspirações; ainda pela abordagem aos pequenos como aos grandes conflitos - eles que dão sentido às relações entre pessoas.
Quero - e devo - lembrar o José Manuel dos primeiros e ‘heroicos’ tempos da TV em Portugal, quando começámos a trabalhar lado a lado, desbravando o que a agenda quotidiana nos reservava. E tanta coisa era, desde os boletins informativos (longe estava, então, o Telejornal) às séries culturais com que a programação de cinema concorria para as principiantes emissões.
Pelas noites dentro ficávamos a gravá-las dentro do cubículo a que, pomposamente, chamavam cabine de gravações, mas onde mal cabíamos, frente à mesa, microfone e monitor.
Eu ia passando os textos acabados de escrever a um Fialho que estava a deixar de ser aprendiz para se tornar no profissional de mão-cheia que estava à beira de ser. O quadro posso ainda completa-lo com a presença de Castela Esteves, que, vinda de outra distância, nos enviava para os auscultadores as músicas adequadas à composição final.
Grandes noites, grandes tempos, grandes trabalhos levados a bom termo (apesar das arreliadoras interrupções por...motivos técnicos), por entre a fumaça de muitos cigarros (fumar era, então, um vício não oficialmente controlado).
A camaradagem entre os ‘pioneiros’ da RTP funcionava com um código de honra e situar o Zé no cerne dele é, para quantos o conheceram, um dever elementar.
Por mim falo: o Zé foi sempre o companheiro presente e disponível, bom entendedor dos percursos da vida que, no que lhe respeitou, se saldaram em inúmeros êxitos sob alicerces de saber e competência.
Tive a felicidade de estar a seu lado em edições de Concurso Eurovisão da Canção (em Jerusalém e em Gotemburgo, por exemplo) como já estivera em vários festivais domésticos. Juntos, fizemos a ‘Operação Pirâmide’ e uns quantos ‘Jogos Sem Fronteiras’.
São lembranças quase recentes, se as levar ao livro onde guardo - e bem! - as que veem de mais longe. Direi que, desde sempre, afinal.
O nome do Fialho Gouveia está na história da RTP indelevelmente associada a tantos e tantos trabalhos com rótulo de sucesso que me perderia a lembrá-las.
A lista está feita e o que a ela posso e devo acrescentar é o toque de companheirismo que nos ligou e que permanece – apesar da distância.
Vasco Hogan Teves (Jornalista)
Novembro de 2015
O Seu Amigo Carlos Cruz
Com o aparecimento das estações privadas de Televisão em 1992, surgem no panorama audiovisual português uma série de novas empresas na área da produção de conteúdos como aconteceu com a Carlos Cruz Audiovisuais para onde se mudou Fialho Gouveia em 1996, deixando atrás de si a colaboração com a RTP que se fez ao longo de 40 anos, dedicando-se, nesta fase da sua vida, à produção de programas.
Pela importância desta amizade, vamos ter uma edição extra desta minibiografia onde iremos explorar em mais detalhe o trabalho feito por estes dois “monstros” da comunicação audiovisual em Portugal.
Toponímia
No que diz respeito à toponímia Fialho Gouveia vê o seu nome associado a duas localidades, que são:
“Rua Fialho Gouveia”
a qual se encontra no Bairro das Coveiras, na Freguesia de São Domingos de Rana, CP 2785-055 São-Domingos de Rana, Concelho de Cascais no Distrito de Lisboa (GPS: 38.727893,-9.339602), e:
“Avenida Fialho Gouveia”
pertencente à Freguesia do Montijo, CP 2870-152 Montijo, Concelho do Montijo, Distrito de Setúbal (GPS: 38.712482,-8.985182).
O Autor, Produtor e Apresentador de Programas
Pelo fato de a lista ser deveras quase interminável, vamos fazer apenas referência aos programas de maior relevância.
Programas Rádio
Diário do Ar (RR-1959/63)
A Onda do Optimismo com Maria Helena Varela Santos (RCP)
PBX (RCP-1967/1968) –A invasão dos pirilampos
Tempo Zip (1970 RCP/RR)
O Domingueiro (RCP)
Programas de Televisão
Zip-Zip (1969)
A Visita da Cornélia (1977)
Jogos Sem Fronteiras (1979 e seguintes)
O Gesto É Tudo (1980)
A Prata da Casa (1980)
E o Resto São Cantigas (1981)
Par ou Ímpar (1983)
Vamos Caçar Mentiras (1983)
Arca de Noé (1990)
Entre Famílias
Cruzeiro de Férias
Com Pés e Cabeça
Entre Famílias
A Filha da Cornélia
Festival RTP da Canção (1979 + Vários)
Apresentador Telejornal
Comentador Fórmula I
Fontes: “História da Televisão em Portugal” (Vasco Hogan Teves-Editorial TV Guia-1998), “Fialho Gouveia - Uma Biografia Sentimental” (Maria João Fialho Gouveia-Editora Vogais-2013) e a memória do Autor.