A Voz de Ouro da Rádio Portuguesa
2015-02-16
Texto: Carlos A Henriques
A Voz do Além
Os nossos primeiros contactos deram-se em 1960 através de um programa que passava, então, na antiga Emissora Nacional, cuja voz me prendia ao pequeno transístor, prenda dos meus pais pela conclusão da instrução primária, face à qualidade dos temas abordados e à voz incrível, denunciando um claro domínio sobre a respiração, o que lhe conferia a capacidade de uma dicção ímpar, ajudando esta como característica principal à arte de comunicar pela voz.
O Encontro
Passados vinte e tal anos, eis que me deparo com o meu ídolo no Centro de Formação da RTP, em Lisboa, na 5 de Outubro, 12º piso, sala 1, num Curso de Formação para Produtores/Realizadores no qual Luís Filipe Costa participou na qualidade de Formando, sendo da minha responsabilidade a disciplina “Técnicas Televisivas”, em que, entre outros temas, eram dissecados ao ínfimo pormenor os efeitos especiais electrónicos em Televisão.
Foi, para mim, uma experiência única e reconfortante, pois desfrutar ao vivo da presença, amizade e saber de um Mestre do Audiovisual, foi um privilégio que juntei à minha carteira de conhecimentos, tão útil quanto às técnicas por mim dominadas.
O nome de Luís Filipe Costa ficará, estamos certos, para a história do Audiovisual Português como um dos marcos mais importantes nas suas várias vertentes, concretamente na radiofónica, televisiva, teatral e cinematográfica, para além de Romancista, Guionista e Empresário (fundador da Cinequanon).
De Quem Estamos a Falar?
Nascido em Lisboa (Martim Moniz) em 1936, a 18 de Março, onde estudou, trabalhou e organizou a sua vida até aos dias de hoje.
Na década de 60, então na qualidade de Director dos Serviços de Noticiários do RCP (Rádio Clube Português), revolucionou o modo de fazer informação na Rádio graças ao estilo que introduziu, o qual chegou aos dias de hoje através frases curtas, concisas e informativas, tendo influenciado, por tal razão, muitas gerações de Jornalistas.
Luís Filipe Costa encontrou no Cinema para Televisão uma outra forma de chegar junto do grande público através de uma série de trabalhos baseados em Obras suas ou por adaptação de outros Autores.
O Político
A primeira vez que tomou consciência politica aconteceu aos 13/14 anos de idade, devendo-se tal facto à prisão de um primo que pertencia ao MUD Juvenil, o qual esteve encarcerado cerca de 9 meses findo os quais foi posto em liberdade sem julgamento ou coisa alguma.
A sua entrada no meio literário, artístico e intelectual de então, ficou a dever-se ao primo, dado ele fazer parte do Grupo de Surrealistas de Lisboa como Mário Cesarine, António José Fortes, entre outros.
Diz Luís Filipe Costa:
“Havia um café no Rossio, junto ao Teatro Nacional D. Maria II, e lembro-me de ver o Vergílio Martinho a ler o original de “O Grande Cidadão”, acabando o livro com uma frase”: “A vaca”
Aos 15 anos adere ao MUD Juvenil levado pela mão do anti-fascista Carlos Brito, o qual mais tarde veio a fazer parte do Comité Central do PCP.
Foi nessa altura, também, que descobriu o teatro através da peça Crime e Castigo, do russo Fiódor Dostoiévski, então em cena no D. Maria II pela Companhia Amélia Rey Colaço.
Vida Escolar
Estudou na Escola Comercial Veiga Beirão, em Lisboa, e seguiu de um modo fugaz Económicas, onde se manteve até ao 2º ano, mas cedo fez as malas e mudou-se para a Rádio, ou seja, para a Emissora Nacional, ali ao lado da Faculdade de Economia, na Rua do Quelhas, hoje RDP, como Rádio-Actor, devendo-se tal facto à falha de um actor que tinha que ser substituído ao momento, dado estar-se no tempo do directo.
Relativamente à sua passagem por Económicas, Luís Filipe Costa ironiza:
“Ao fim de um ano e meio, desisti, porque, por exemplo, não sabia ainda bem qual era a diferença entre uma obrigação e uma acção”
Mais tarde concorreu ao RCP (Rádio Clube Português) como locutor, à data nas instalações da Parede, onde desenvolveu um estilo próprio de jornais radiofónicos de hora a hora, com uma linguagem própria como, por exemplo, em vez de:
“O Benfica é campeão”
Os artigos e os verbos passaram a cair, resultando:
“Benfica, campeão”
Ou, ainda:
“Hoje, S. Excelência o Sr. Presidente da República, Sr. Almirante Américo Tomas, visitou a Lisnave”
Tendo passado a ser:
“O Presidente da República visitou hoje a Lisnave”
Contudo, esta alteração introduzida nos noticiários da estação passou por um período de troca de correspondência entre a Direcção do RCP e a Comissão de Censura, então existente, no Palácio Foz.
Um outro passo foi o de dar notícias do Tribunal da Boa-Hora, de Lisboa, onde eram feitas e lidas as sentenças dos políticos, o que para a época era algo de impensável fazer-se uma vez estar-se, em termos de regime politico, a viver-se em plena ditadura fascista.
Homenagem e Rectrospectiva no Centro Cultural da Malaposta
O Centro Cultural da Malaposta, em Odivelas, teve a feliz ideia de homenagear e simultaneamente lançar uma retrospectiva sobre a sua filmografia, culminando esta com o visionamento de “Uma Outra Ordem” (1991), tendo marcado presença, para além do protagonista, o actor João Mota, assim como outros nomes de significado marcante para o homenageado, como foi o caso do músico Luís Cília, o actor João Lagarto, Júlio César, Vítor Norte, as actrizes Fernanda Lapa e Isabel Medina, e, ainda, o escritor Mário de Carvalho.
Luís Filipe Costa e Mário de Carvalho
Muitos foram os técnicos presentes que tiveram a felicidade de trabalhar com o homenageado, como aconteceu com o veterano António Silva (Director de Fotografia-RTP), Fernando Lourenço (Director de Fotografia-RTP), Eduardo Silva (Operador Câmara-RTP), António Silva (Guionista e ex-Operador de Som-RTP), para além de muitos outros ex-colegas da RTP e do Mundo do espectáculo.
Eduardo Silva, Luís Filipe Costa, António Silva, Fernando Lourenço
As palavras institucionais estiveram a cargo de Ana Isabel Santos (Malaposta), a que se seguiram as de alguns dos mais directos colaboradores, tudo num ambiente muito aberto e franco, revelando a grandeza do homenageado e da sua Obra.
Homenagem à Vida e Carreira no Auditório Lourdes Norberto
A 11 de Outubro de 2012, foi a vez de salientar a Vida e a Carreira daquele que é conhecido como sendo “A Voz da Rádio”, no Auditório Lourdes Norberto em Linda-a-Velha.
Após a homenagem a sua esposa Isabel Medina desabafou na sua página no Facebook:
“Terminou a homenagem e eu estou de lágrimas nos olhos! Como é bom fazer parte da vida deste grande homem! Obrigada Luís!“
Prémio Igrejas Caeiro (SPA-2012)
Atribuído pela primeira vez em 2012, este Prémio Igrejas Caeiro teve um duplo significado, ou seja, contemplou uma grande voz da Rádio portuguesa com um Prémio que homenageia uma outra grande voz da Rádio e do espectáculo.
Segundo afirmação de Luís Filipe Costa:
“Não sou daqueles que dizem: ‘Ah, não, eu não gosto de ter prémios...‘ Não, nada disso. Eu gosto!"
De acordo com o anúncio da SPA, a atribuição deste Prémio pela primeira vez a esta individualidade teve a ver com:
“Décadas de trabalho realizado na área da informação e programação, e também o seu indiscutível contributo para a renovação da informação radiofónica”
Em 1974 viveu alguns dos momentos mais intensos da carreira, e em que Francisco Igrejas Caeiro foi um amigo, tendo referido:
"Depois do 25 de Novembro, colocaram-me de férias. Achavam que eu estava um bocado cansado e então puseram-me na prateleira para eu descansar. E foi o Chico - que era como eu o tratava - que me foi tirar de lá e me deu um programa na Antena 2"
Adelino Gomes e Luís Bonixe, Jornalistas e pessoas próximas de Luís Filipe Costa, partilham a opinião de que o prémio atribuído pela SPA não podia ser "mais do que merecido". Até porque não poderia fazer-se outra coisa ao "criador do primeiro serviço de noticiários independente na rádio portuguesa, no princípio dos anos 60.
Ainda, segundo Adelino Gomes:
"É uma figura absolutamente incontornável e memorável da minha vida profissional e, julgo, de todos os portugueses que ouviam rádio nesses tempos"
Concluindo:
"Ele era um homem ao mesmo tempo distante e sempre presente. Distante, na medida em que não estava à nossa volta a dizer: ‘Faz assim, faz assado‘. Mas, ao mesmo tempo, sempre presente, porque os noticiários dele eram os melhores e, portanto, um exemplo que nós procurávamos seguir"
Para a sua tese de doutoramento sobre informação radiofónica, Luís Bonixe fez questão em contar com o seu contributo, afirmando:
"Ele foi uma das pessoas que mais contribuiu para aquilo que hoje consideramos como perfeitamente natural e normal que seja o jornalismo radiofónico, mas que, na época, não era assim, e constituía uma inovação". "Estamos a falar da simplicidade, concisão, brevidade, enfim, todos aqueles atributos que hoje reconhecemos às notícias na Rádio"
Para o Jornalista João Paulo Guerra:
"Toda a gente que trabalha hoje na Rádio aprendeu com o Luís Filipe Costa, mesmo que não saiba quem ele é. Podem não ter aprendido directamente, mas aprenderam com alguém que aprendeu com ele"
No Canal Q, na elaboração do filme da sua vida, à pergunta se estava a pensar em escrever as suas memórias para as fixar e não se perderem, respondeu:
“Acho que isso das memórias é uma coisa para o Churchil,...... para o De Gaule??, ......para essas pessoas .........”
Assim como:
“As pessoas que mais me marcaram foram aquelas que tinham realmente uma posição política e os actores.......A única vez que fui preso, ..., não fui preso, fui detido, ...nunca percebi muito bem a diferença entre o detido e o preso, foi por estar a menos de 100m de um liceu feminino.... Estava à espera da minha namorada”
Pai do Cineasta Pedro Costa, considera ser ele o seu melhor legado, seguindo-se, como é óbvio, a sua participação no desenrolar do 25 de Abril de 1974, concretamente com a leitura dos comunicados do MFA (Movimento das Forças Armadas) aos microfones do Rádio Clube Português.
Ao longo da sua vida foi Argumentista de 15 trabalhos, realizou 34 filmes e foi Actor em dois.
Filmografia (Televisão)
Uma Cidade Como a Nossa(1981, Série, 4 episódios);
Arco Íris (1982, Série);
Arroz Doce (1985, Série);
Só Acontece aos Outros (1985);
Happy End (1985);
Quando as Máquinas Param (1985);
A Borboleta na Gaiola (1987);
Era Uma Vez Um Alferes (1987);
Morte D‘Homem (1988);
Muito Tarde para Ficar Só (1988)
Jaz Morto e Arrefece (1989);
Uma Outra Ordem (1991);
Terra Instável (1991, Série);
Um Crime Perfeito (1992);
Uma Mulher Livre (1992);
Os Contos do Mocho Sábio (1992, Série);
Comédia de Camas (1993);
Mistérios de Lisboa (1996);
Policias (1996, Mini-série)
Estúdio Um (1997, Mini-série);
O Pai (1997);
Fuga (1999);
Esquadra de Policia (1999);
Um Estranho Em Casa (2001);
Raul Solnado - O Estado da Graça (2002, documentário);
Mel Azedo
Em Lisboa Uma Vez
Década de Setenta
Resistência
Há Só Uma Terra
Jaz Morto e Arrefece
Crimes Pré-Feitos
José Viana
Bernardo Santareno
Encenações Teatrais
África (Autoria e interpretação de Isabel Medina)
Cargos de Chefia
Director dos Serviços de Noticiários do Rádio Clube Português (RCP - anos 60’)
Livros (Romances)
A Borboleta na Gaiola (Romance-1984) – Prémio de Consagração de Carreira da SPA (2011)
Agora e na Hora da Sua Morte (Romance-1988)
Prémios
Casa da Imprensa - Melhor Radialista (1966 e 1974);
SER (Sociedade Espanhola de Radiodifusão-1968);
Rádio Húngara (Quem tem Medo de Brahms);
Grande Prémio Festival Chianchino (Itália) de Cinema para Televisão com o filme “Morte d’Homem” (1988);
2º Prémio do Festival Internacional de Cinema da Figueira da Foz com o filme “Morte d’Homem” (1988);
Prémio da Crítica do “Diário de Lisboa” para série documental “Há Só Uma Terra”;
Prémio Consagração de Carreira da SPA (2011);
Prémio Igrejas Caeiro da SPA (2012).
Condecorações
Grau de Cavaleiro da Ordem da Liberdade (2010)