“Cinematography In Progress”
2015-01-09
Texto: Tony Costa
Realizou-se nos dias 27 e 28 de Novembro de 2014, em Bruxelas, aquele que deve ser considerado o I Congresso sobre ensino da imagem cinematográfica depois do colapso do negativo como formato principal de captura de imagem.
Este Congresso, que juntou 60 participantes de mais de uma dezena de Países e de diferentes Escolas, não foi, contudo, a primeira tentativa de reunião de diversos Professores e Educadores para se debater a problemática do ensino da imagem no contexto atual. Mas foi, seguramente, a primeira vez em que, para além de Professores, foram também convocados a participar os Profissionais do meio.
As mudanças abruptas que ocorreram depois de 2007 obrigam, de certa forma, a reajustamentos em diversos sentidos, nomeadamente no domínio da educação, e, muito concretamente, no setor profissional o qual se confronta com mudanças de estrutura e de falta de conhecimentos sobre o novo paradigma na imagem cinematográfica. Mas antes de abordarmos o Congresso em si, iremos fazer um resumo histórico do que aconteceu à captura de imagem tradicional.
O colapso da película
Com o colapso do formato de captura de imagem em película, a revolução digital veio trazer novos desafios ao ensino e também aos profissionais.
Como ensinar com este novo figurino?
Com o encerramento dos laboratórios de revelação um pouco por todo o mundo, com as alterações tecnológicas constantes e rápidas, os estabelecimentos de ensino como também, claro, as empresas de prestação de serviços, foram forçadas a adaptar-se às novas circunstâncias. As Escolas viram-se na necessidade de substituir equipamentos e de aplicar novos métodos.
Quando em 2006 durante a NAB, em Las Vegas, a empresa RED, liderada pelo multimilionário Jim Jannard, lançou um desafio no qual preconizava a capacidade de se fabricar uma câmara para Cinema com a resolução 4K e a um preço muito acessível, deu-se com ele o início de uma verdadeira revolução no Cinema.
A captura em formato digital de alta resolução não era, contudo, uma novidade em 2006, dado terem já sido feitas diversas tentativas, nomeadamente da parte da Sony pois desde os anos 80’ que vinha a experimentar formas de obtenção de imagens que se aproximassem à qualidade da película. Houve um ensaio no Cinema com o formato HDVS (High Definition Video System), em 1987, na realização do filme “Julia e Julia”, o qual foi rodado totalmente neste novo formato, sendo a fotografia de Giuseppe Rotunno (AIC).
A falta de definição e a reduzida latitude entre o claro e escuro, assim como a obrigação de uso de equipamentos pesados votou o sistema ao insucesso, contudo, em 1999 a Sony consegue entrar pela porta grande, pois em associação com a Panavision cria a câmara HDW-F900, dentro da filosofia do sistema que denominou de CINEALTA, a qual foi desenvolvida para ser usada por George Lucas num dos episódios de “Guerra das Estrelas”.
Apesar deste grande passo na qualidade da imagem o mesmo não foi, contudo, revolucionário ao ponto de secundarizar a película. A imagem obtida tinha ainda um excessivo “look” de vídeo, razão pela qual seria considerado inapropriado para ficção.
O custo da câmara, assim como das cassetes HD, e ainda a necessidade do processamento laboratorial para a cópia de projeção em sala, não proporcionava, ainda, grandes mudanças.
Para além destes factos, se os profissionais podiam minimizar o “look” de vídeo usando filtros, encontravam enormes dificuldades em adaptar a câmara às necessidades do trabalho de ficção, dado que esta tinha sido construída como sendo uma camcorder para utilização televisiva o que não dava, de forma alguma, jeito para a sua utilização em filmagens cinematográficas.
Daí ter surgido em 2006 a F23 e de seguida a F35, ambas da Sony, com montagem PL e uma ergonomia muito próxima das clássicas câmaras de filmar. A qualidade de imagem sofreu, também, uma melhoria considerável relativamente à F900. A evolução foi verdadeiramente extraordinária, apresentando um sensor CCD super35 com três chips e uma capacidade de gravação sem compressão em 4:4:4 num gravador incorporado para cassete HDCAM, sendo a qualidade de imagem muito aceitável.
Mas, mesmo assim, dados os custos da câmara a revolução digital no Cinema ainda estaria para vir, pois tanto o tamanho do sensor como a resolução da imagem eram ainda problemas por resolver.
A empresa canadiana Dalsa tinha apresentado, em 2003, na NAB, uma câmara com um sensor revolucionário denominado “Bayer pattern”, o qual apresentava uma resolução 4K e a capacidade de registo, sem compressão, de palavras de 16 bits (RAW). A concorrência ainda estava longe pois não ultrapassava os 10 bits por amostragem. Mesmo sendo possível o recurso a um visor ótico, utilizar objetivas de montagem PL e obter uma imagem de muito boa qualidade, não era ainda atraente e em especial o design da câmara deixava muito a desejar.
A bateria era pesadíssima e incomportável para rodagens. O gravador 4K era separado da câmara e ligado por uma série de cabos que eram incompatíveis para o trabalho em Cinema. Daí a Sony ter contra-atacado com a F23, a qual se apresentava, em parte, com a resolução de alguns destes problemas.
Entretanto, a ARRI coloca à venda, em 2005, a D-20, apresentando esta um sensor CMOS com a largura de um fotograma de 35mm. Porém não foi capaz de conquistar o mercado tendo mesmo evoluído com um novo modelo em 2008, a D-21, também sem grande sucesso, dada a fraquíssima sensibilidade às baixas luzes.
Contudo, o digital vai chegando às salas de Cinema, as máquinas de projeção tradicionais vão sendo gradualmente substituídas por projetores digitais, oferecendo estes excelente qualidade.
O DCP (Digital Cinema Package) a 2K começa a ser distribuído muito por força de se impor os filmes em 3D. A película continua ainda a dominar como formato de captura em Cinema, mas o “Digital Intermediate”, o chamado DI, impõe-se devido às suas opções extra de tratamento de imagem às quais o sistema tradicional não conseguia alcançar em pós-produção.
A película começa a ficar cercada, estando, nesta fase, apenas a ser utilizada para efeitos de captura.
Mas, eis que chega em força, em 2007, a RED, distribuindo centenas e centenas de câmaras por todo o mundo a um custo muito mais reduzido que qualquer outra câmara de filmar à venda no mercado. Por apenas 17.500 dólares era possível comprar uma câmara que dispensava consumos de cassete ou película e que evitava o laboratório, podendo a imagem ser montada num computador comum. Foi o suficiente para revolucionar o mercado e a indústria cinematográfica.
A RED podia oferecer maior gama dinâmica e mais resolução que a concorrência, mas menor que a película, contudo tal não impediu que se implementasse com muita rapidez.
Sensivelmente dois anos mais tarde a Canon surge com a 5D Mark II com um único sensor full frame e coloca toda a indústria ao rubro.
A Canon sai do setor de consumo e semi-profissional para entrar no setor profissional com diversos modelos que seguem as peugadas da bem-sucedida 5D. É a chegada do modelo DSLR (Duplex Single-Lens Reflex) com imagem em vídeo. É a democratização total da imagem. A partir deste momento qualquer pessoa passa a dispor das ferramentas que precisa para filmar e fazer filmes.
Mas é também o fim da película, mesmo com o parecer negativo dos profissionais que advogavam que o negativo suportava melhor todas as capacidades de captura de imagem para se desenvolverem em pós-produção, assim como no que respeita à qualidade de imagem. Mas, era irreversível. O processo estava totalmente acelerado. Os custos de revelação e da película não podiam acompanhar a revolução em curso.
Em 2010 a ARRI anuncia o seu modelo de câmara digital ALEXA que acaba em definitivo com a era do celulóide. A ARRI também anuncia o fim do fabrico de câmaras de película, ao qual se segue a Panavision e a francesa Aaton. Fecham laboratórios de revelação um pouco por todo o mundo. A Kodak pede proteção perante os credores para evitar a falência e a Fujifilm anuncia o fim do fabrico de película.
Em apenas 5 anos o processo digital impôs-se em todos os domínios desde a captura, à distribuição e à projeção.
As consequências na indústria
A indústria transformou-se muito rapidamente, pois de um dia para o outro as produções de menor orçamento abdicaram de imediato de utilizar película. A câmara RED invade a Publicidade e o Cinema. Os custos de produção descem, não muito no que diz respeito às longas-metragens mas no setor da publicidade estes descem de forma considerável.
Evitam-se os custos de laboratório, os custos da compra de película como os de correção de cor. Os laboratórios começam a perder clientes de forma vertiginosa.
Surgem outros modelos depois da RED, como a 5D e outras HDSLR’s que apesar de não se afirmarem definitivamente no setor profissional acabam por ter uma grande quota-parte do mercado de captura de imagem.
Ao mesmo tempo as salas de Cinema equipam-se com projetores digitais substituindo os velhos projetores de película, sendo a imagem projetada significativamente melhor. Sem batimento e sem riscos.
As casas de aluguer de câmaras fazem milagres para recuperar os prejuízos de câmaras recentemente compradas e que nunca conseguirão amortizar. São já obsoletas e servirão para adornar as prateleiras de um museu. Felizmente as objetivas mantêm-se como também grande parte de outros acessórios o que minimiza os prejuízos.
Mas os monitores têm que ser substituídos muito rapidamente para fazer face às necessidades do mercado.
Por fim chega a ALEXA que acaba por reinar em todos os domínios das câmaras de filmar. A ARRI que vinha há longo tempo a perseguir atentamente as alterações que se estavam a processar na indústria, depois dos “fracassos” que tinham sido a D-20 e a D-21 veio a ter sucesso com a sua nova câmara digital mesmo tendo um sensor de captura de apenas 2K de resolução, ou seja, metade da capacidade da RED. Mas a maior dinâmica de cor que a Alexa oferecia era singularmente superior aos modelos da RED e daí dar maior satisfação aos Diretores de Fotografia para as longas-metragens.
As consequências na Educação
Este novo paradigma e as suas consequências atingem também os estabelecimentos de ensino de forma brutal. As Escolas são atingidas porque não têm o equipamento adequado. Enquanto no tempo de película desde que uma Escola possuísse uma câmara de 16 ou 35mm poderia manter o ensino independentemente da chegada de novos modelos.
Mas com o digital a situação é totalmente diferente, ou seja, todos os meses um novo modelo substitui o modelo anterior tornando este obsoleto.
Câmaras com novos sensores que são cada vez maiores e com resolução aumentada, impunham novos monitores de visionamento e novos computadores para tratamento. A situação criada, apesar de agora estar mais calma, foi caótica em diversos aspetos.
O problema não se coloca apenas numa questão de equipamento e do ensino técnico, mas, também, nas mudanças de métodos de trabalho que o digital impõe que carecem de abordagem, daí as diferentes iniciativas sobre o ensino da fotografia cinematográfica se terem iniciado em 2012, tal como a seguir se descreve.
Como ensinar imagem cinematográfica nos dias de hoje?
No que diz respeito à educação, em particular no ensino da imagem, levanta-se a questão:
“Como ensinar imagem cinematográfica nos dias de hoje?”
As mudanças são constantes e rápidas, o equipamento de película torna-se obsoleto e não passa de uma relíquia arqueológica o que obriga as Escolas a renovarem o seu equipamento desde a captura à pós-produção. São investimentos para os quais a maioria das Escolas não têm capacidade de resposta. Há também a falta de preparação de muitos dos Professores que estavam ancorados no ensino tradicional com a película e que agora se vêem a braços com uma nova aprendizagem e muito provavelmente obrigados a mudar de estratégia pedagógica.
O mundo digital impõe reciclar e de renovar métodos de ensino e experimentar outras práticas.
Foi dentro desta linha de pensamento que surgiu o I Congresso em Bruxelas, ao qual se deu o nome de “Cinematography in Progress”, com a organização partilhada entre o IAD (Institut des Arts de Diffusion), SBC (Belgium Society of Cinematographers) e a IMAGO (The European Federation of Cinematographers).
NOTA DO EDITOR
Dada a extensão do artigo original optámos pela sua publicação em duas partes, pelo que reservámos para um segundo artigo o I Congresso propriamente dito e os antecedentes ao mesmo.
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